segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A GAROTA DA UNIBAN – PARTE II



Tenho ouvido algumas opiniões acerca do incidente na UNIBAN que vão de encontro às que tenho emitido, inclusive em meu último artigo aqui no blogue. Vamos a elas.

Mais de uma vez me disseram que “alguma coisa a garota fez para que os alunos tivessem aquela reação”. Este é o típico argumento dos regimes de exceção nos quais somos todos culpados até que provemos nossa inocência. Parece-me que quem faz uso deste tipo de argumento está a um passo de raciocínios totalitários. Há não muito mais do que 60 anos, a simples suspeita de que suas convicções não se alinhavam com as dos regimes da Itália e da Alemanha, ou - para falar da ideologia diametralmente oposta, mas igualmente totalitária – da União Soviética, bastava para que sua vida se transformasse numa obra de Kafka até que você convencesse os tais regimes de que era inocente. Assim, esta lógica segundo a qual a garota deve ter merecido a reação em cadeia, carece de alguma – senão de toda – boa vontade.

Indo adiante e desenvolvendo melhor um dos argumentos que já esbocei em meu último artigo, aos homens sempre nos foi dado um direito – que de resto parece inalienável – de sermos sexualmente ativos de maneira ostensiva (vide a quantidade enorme de mulheres que são assediadas diariamente, para não falar de outras formas bem mais agressivas de abordagem) sem que sejamos xingados, ameaçados ou quase agredidos. Talvez essa seja a maior afronta da garota, a de ter a coragem de se equiparar aos homens.

Quanto às garotas (sejam elas as que se alinharam aos colegas do sexo masculino na agressão, sejam as que observaram o incidente de longe, mas que também sentem-se incomodadas com a atitude ativa da aluna), pode haver na impossibilidade de se solidarizar um “quê” de frustração íntima com o fato de não terem coragem de exercer esta liberdade, uma ponta de inveja pela atenção natural que esta liberdade provoca nos homens. Caso contrário, fosse apenas a sensação de que a outra faz uso de uma vulgaridade que a elas não lhes cairia bem, não seria necessário concordar, ainda que de forma velada, com a agressão a que foi exposta a menina do vestido curto.

Ainda, que, de alguma forma, a moça tenha “provocado” - como argumentam alguns. Ora, quando as regras sociais são claras, quaisquer que sejam as instâncias, as consequências das quebras destas regras também são claras. Se a moça “provocou”, onde estava a instituição que não tomou uma atitude antes? Se houve uma inadequação quanto ao vestuário, qual foi a atitude da universidade quando se deu conta de que uma regra de conduta fora quebrada? Após a falha da instituição nos itens anteriores, ainda assim a atitude dos alunos e alunas (dizem que funcionários e professores participaram da barbárie, não sabemos bem) foi correta e/ou proporcional? Convenhamos, não foi.

Após todos estes erros o que se esperaria de uma universidade, de verdadeiros educadores? O mínimo que se esperaria era um debate de alto nível, nunca a expulsão sumária da “criminosa do vestidinho curto”. Senhores! Educação, senhores! Estamos fartos de discussões rasteiras e de agressões baratas!

Para terminar: se a moça realmente tem dito que pretende ser atriz, se após tudo isso descobrirmos que se tratava de uma candidata a celebridade, que ela realmente era uma exibicionista, etc, etc e etc, então podemos e até DEVEMOS promover um debate a esse respeito. Até lá, este será um assunto acessório que, de forma alguma, esconderá a irracionalidade quase nazista, a reação coletiva fundamentalista daquela turba.

Eliseu Paranhos

domingo, 8 de novembro de 2009

A GAROTA DA UNIBAN

Ando bem sem tempo já que estou no meio das filmagens de "Dois Coelhos", ensaiando - quando dá - o espetáculo infantil e no meio da gravação do CD (para quem quiser ouvir algumas canções é só acessar o seguinte endereço: www.palcomp3.com.br/alicerock. Há seis músicas por lá, a metade do repertório. Só os arranjos que ainda não são definitivos).
Mas diante das últimas notícias é impossível não comentar o caso da garota da UNIBAN.
Hoje os jornais anunciam que ela foi expulsa da Universidade. ELA FOI EXPULSA! Mas peraí! Não era ela a vítima? A diretoria da tal instituição alega que ela PROVOCOU. Qualé, camarada? Isso é argumento de ESTUPRADOR!!!
A verdade é que continuamos a ser uma província de MISÓGINOS e HOMOFÓBICOS. NÓS ainda maltratamos mulheres e viados. NÓS ainda os tratamos como cidadãos de segunda classe. NÓS morremos de medo da homossexualidade a tal ponto de uma torcida de um time de futebol que é nacionalmente conhecido como BAMBI execrar um de seus jogadores graças à desconfiança (ou à certeza, sei lá) de que ele é gay.
NÓS continuamos achando que a moça que exerce sua sexualidade de maneira muitas vezes menos agressiva do que a NOSSA merece os maus tratos que NÓS impingimos a elas. Enquanto isso continuamos tratando nossas moças como o órgão sexual a ser colocado à nossa disposição.
Não, seu moço: EU, pelo contrário, AMO as mulheres e não preciso tratá-las como uma vagina. Minha mulher, aqui em casa, é e sempre será tratada com afeto por que ela nunca significará APENAS uma anatomia. Às mulheres a delicadeza.
Eu me lembro que há muitos anos uma aluna de minha irmã quase foi estuprada por um grupo de meninos que agiam como esses lá da UNIBAN. E o argumento era o mesmo: ela provocava. O tempo passa e NÓS continuamos um bando de animais.
Depois as pessoas acham exagerado o medo que eu tenho quanto ao futuro da humanidade. E vai ter neguinho por ai dizendo a meu respeito o mesmo que disseram outro dia sobre o ministro (para quem não lembra, um governador disse que o ministro do meio ambiente era viado e que deveria ser estuprado). Ah, me deixem em paz com o meu mau humor... Perdi a paciência com essa gente.
Ps.: Sei que estou devendo minhas histórias da copas de 90, 94, 98, 02 e 06. Assim que terminar os filmes, aproveito as férias de fim de ano e volto a escrever.
Ps2.: Visitem o site e ouçam as músicas. www.palcomp3.com.br/alicerock
Beijos e abraços.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

VIDA DE ARTISTA

O chato de se ter muitas profissões é que, vira e mexe, a gente tem de parar uma para que outra aconteça. Na verdade a única que não para nunca é a de professor - não se pode abandonar seus alunos a qualquer momento...
De resto, ao sabor dos ventos, vai-se alçando os voos que os tempos mandam. Por estes dias tem sido assim. Primeiro eu parei tudo para escrever uma nova peça (Histórias de Gente e de Bichos) que Juliana - minha mulher - já começou a produzir.
Depois foram duas semanas de testes voltados para o trabalho de ator - será que as produtoras combinam entre elas de fazer os filmes todos ao mesmo tempo?
Aí hoje eu já sei que os próximos dois meses vão ser assim, tudo ao mesmo tempo agora, porque vou começar a ensaiar o infantil, filmar dois longas (Bruna Surfistinha e Dois Coelhos), continuar a dar aulas e ainda tem o plano de gravar um CD com meu amigo Fred.

Acho que tô um pouco cansado...

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

MINHA COPA DE 86



Quando se é adolescente as coisas passam realmente muito rápido. Pensando em retrospectiva, chego à conclusão de que em nenhuma fase posterior de minha vida tantas coisas aconteceram, em tão pouco tempo, de maneira tão intensa. Ora, mas estou dizendo obviedades. Talvez para compreender os motivos que me levaram a não ter mais o Júnior como meu melhor amigo, que me fizeram perder o meu novo melhor amigo dois anos antes e que me levaram a precisar de novos melhores amigos, isso tudo no intervalo entre duas copas...

Eu já conhecera a dor nos anos anteriores. E não falo exatamente da dor de perder uma copa do mundo. Falo de coisas bem mais sérias. Primeiro foi a morte de Wagner, personagem já apresentado aqui, a perda que re-significou todas as outras vindouras e que me fez entrar na idade adulta bem antes do previsto. Isso foi em 84. No ano da copa houve a consolidação do divórcio dos meus pais que se iniciara, de fato, no final de 85.

Assim, quando a copa de 86 começou, eu já não tinha casa. O processo de separação fez com que meu pai vendesse a casa em que morávamos e houve uma verdadeira diáspora em nossa família. Minha irmã mais velha foi morar em lugar no centro. Meu irmão foi morar com uma tia. Minha mãe e eu fomos morar com minha outra irmã, e com o marido dela numa casinha minúscula.

(Quando conseguimos comprar uma nova casa, foi num casebre horrendo que passamos a viver. Isso não é figura de linguagem, a casa tinha três cômodos e um banheiro, tudo caindo aos pedaços. Até hoje não sei como minha mãe conseguiu transformá-la na casa decente que eu visito às vezes).

Voltando à casa de minha irmã: foi ali, com minha mãe, minha irmã e seu marido que assisti àquela partida truncada na qual ganhamos de 1 a 0 da Espanha, gol de Sócrates de cabeça. Talvez pelo momento tumultuado que vivíamos não me lembro de ter assistido às outras partidas da seleção. Minha mãe estava bem alterada emocionalmente e, ao que parecia, eu era o único homem da família... Agora, revendo as datas e os dias da semana nos quais os jogos caíram, percebo que os outros jogos foram em dias úteis. Logo eu estava trabalhando – meu segundo emprego, no Bradesco. Sintomático que eu não me lembre já que é comum que todos parem seus expedientes em dias de jogos de copa do mundo. Freud explica...

Voltando ao gol contra a Espanha. Eu comprara um rojão – acho que o primeiro e único de minha vida – e fui até a varanda para soltá-lo após o gol. Acontece que eu o acendi e o virei em minha direção, na altura da cabeça. Percebi a bobagem segundos antes que ele explodisse. Só houve tempo de virá-lo e “buum”. Quase perdi a cabeça. De resto todos as tínhamos perdido naqueles tempos.

Só volto a me lembrar da copa no jogo contra a França de Platini, já nas quartas de final. Era sábado e eu saí da casa de minha irmã no começo da tarde paramentado com uma camiseta que deveria ser especial da copa. Eu a comprara nos dias anteriores e me lembro que não tinha mangas. Deveria estar bem ridículo...

O encontro fora marcado na casa de um amigo do colégio. Éramos quatro amigos inseparáveis, havíamos cursado o primeiro ano do colégio na mesma sala, mas fôramos alçados à turma B no segundo ano por razões que desconheço. Como não conhecíamos ninguém nesta turma passamos a andar juntos todo o tempo. Infelizmente não tenho mais contato com nenhum deles.

A casa era do Chacon e, além dele, estávamos eu, Hélder e Nilson. Não havia bebidas, éramos caretas ao extremo. Festa no gol do Brasil. Tensão no empate da França. Euforia no pênalti ao nosso favor. Decepção quando o Zico perdeu. Apreensão quando o Sócrates perdeu o dele na disputa de pênaltis. Depressão quando o Júlio César acertou a trave e nós fomos derrotados pela França. Acabava ali a chance de uma das mais talentosas gerações do futebol brasileiro e mundial vencer o mundial. E nossa chance de ver o Brasil campeão pela primeira vez já nascêramos todos em 70, quando o Brasil havia sido campeão pela última vez.

Lembro-me que nós quatro, uns mais outros menos, choramos durante algum tempo. Depois tiramos nossos paramentos e nos despedimos. Nos dias seguintes voltamos ao nosso cotidiano e à nossa amizade que só seria seriamente abalada quando um de nós foi expulso do colégio – um dia conto esta história.

Nos anos que se seguiram meu universo de interesses iria sofrer uma grande revolução. Eu abandonaria o futebol e o vôlei e descobriria o teatro. Depois estrearia como profissional aos 17 anos e entraria na UNICAMP com a mesma idade.

E ainda teriam os namoros, as paixões não correspondidas, o reencontro com a morte, tantas coisas antes da copa de 90... Será que as coisas são realmente assim? Uma sucessão de fatos extasiantes que separam uma copa de outra? Talvez não para a maioria das pessoas, mas para mim, nesta época, ainda era. Felizmente, entre uma e outra copa, gastei meu tempo vivendo de intensidades. Ainda que isso, por vezes, tivesse a cor do céu de outono.

Até a próxima...

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

FINALMENTE LIVRES!!!


O dia de hoje, 27 de agosto de 2064, ficará marcado como o dia em que nós, brasileiros, nos tornamos, finalmente, livres. Foi publicada no Diário Oficial a portaria que PROÍBE todos os cidadãos de saírem de suas casas de forma definitiva. Já era tempo: é a única forma segura de domarmos a pandemia de Gripe A (H62N73), além de outras doenças infecto-contagiosas menos mortais, mas igualmente nocivas à nossa saúde e aos cofres públicos.
Esta luta não se iniciou hoje: há 55 anos o outrora estado de São Paulo, agora conhecido como Metrópole Central do Sul, proibia, pela primeira vez, o consumo de tabaco em todos os lugares públicos, exceto ao ar livre e em residências. Dois anos depois, para o bem de todos, o tabaco foi proibido também nestes lugares e, após três semanas de resistência por parte dos fumantes, os rebeldes foram presos e condenados a trabalhos forçados até a desintoxicação.
A seguir vieram outras medidas tão alvissareiras quanto esta primeira, algumas vezes seguidas de resistência, mas sempre vitoriosas ao fim:

- Em 2015 a proibição de consumo de álcool;
- Em 2017 os refrigerantes e toda e qualquer bebida que não fosse natural, inclusive a água com gás;
- Em 2025 foram banidos o sal com sódio, o açúcar e a gordura de todos os tipos – incluindo a de leites, queijos e carnes;
- Em 2026 foi instituído o plano DES: todo o alimento deveria ser desprovido de suas substâncias prejudiciais – o arroz foi desarrolizado, o feijão desfejanizado, o ovo desovoizado e assim por diante;
- Em 2027, após amplo debate, a sociedade aprovou quase por unanimidade o veto aos jogos de futebol, cuja aglomeração aumentava a contaminação por diversas doenças;
- Em 2033, para o bem de nossas crianças, as escolas foram fechadas e a educação passou a ser responsabilidade única e exclusiva de seus pais, o que levou a mortalidade infantil a índices nunca vistos;
- Em 2040 um apêndice da lei anterior proibia as reuniões, festas, casamentos ou qualquer encontro entre mais de duas pessoas que pudesse colocar a saúde pública em perigo (exceção feita aos empregos formais);
- Em 2042, como as morte causadas por vícios na alimentação não diminuíram conforme a meta desejada, iniciou-se o processo de substituição de todos os alimentos pelas pílulas assépticas, processo terminado com sucesso em 2051;
- Em 2047 houve talvez a maior conquista dos cidadãos de nosso tempo: finalmente ficou terminantemente proibida a prática de sexo, seja para fins de prazer ou de reprodução – esta, aliás, há muito já podia ser feita em nosso sistema de saúde – com o intuito de acabar com as doenças sexualmente transmissíveis. De fato isso ocorreu dez anos depois (vejam que as pesquisas apontaram, apenas dois anos depois disso, que as pessoas eram muito mais felizes com a prática da masturbação!);
- Em 2052 foram abolidos os empregos como o conhecíamos até então, já que não fazia sentido manter pessoas tão perigosamente próximas quando a tecnologia nos permitia fazer a máquina do mundo girar a partir de nossas próprias casas;
- Em 2059 o transporte público deixou de funcionar: não faziam sentido aquelas aglomerações, que serviam mais para transmitir doenças do que para coisas úteis;

Os pequenos acertos posteriores apenas postergavam esta atitude final (a ordem de parmanecermos trancados e seguros), viabilizada no dia de hoje e que deveria ter sido tomada há muito tempo. Afinal, quem é que precisa sair de casa? Todos temos academias particulares para preservarmos nossa saúde. Os estoques de pílulas de refeições e de água são hoje suficientes para mais de seis meses nas classes A e B e para, no mínimo, três meses nas classes C, D e E. As entregas são feitas em menos de duas horas em qualquer lugar da metrópole pelos Cidadãos Especiais, sempre munidos de suas máscaras e uniformes anti-contaminação.
Temos de concordar que estes riscos não valiam a pena. Cidadãos do Brasil e de Metrópole Central do Sul: comemoremos! Somos, finalmente, LIVRES!

P.s.: Na próxima volto com minhas histórias das copas...

segunda-feira, 29 de junho de 2009

MINHA COPA DE 82



Aos doze anos eu deixara para trás as doenças todas, inclusive as respiratórias e ia me tornando aos poucos um esportista. Ainda era um magrelinho, mas era um tempo de Sócrates, lembram?

Apesar de gostar de todos os esportes, meus preferidos eram, naturalmente, o futebol e o vôlei, turbinado nesta época pela geração de prata – William, Montanaro, Bernard e Cia. E no futebol... Bom, no futebol tínhamos Falcão, Zico, Júnior, Cerezo – apesar das bobeiras contra a Itália – o magrão já citado, Luizinho, Orcar, Careca, ah! Tantos que dá vertigem só de lembrar. Eram dois para cada posição, pelo menos. Lembram do Carlos, o goleiro que foi revelado pela Ponte e que não foi à copa por que se machucou? E o Zé Sérgio que deu lugar ao igualmente sensacional Éder graças a uma contusão? E o Chulapa que foi no lugar do Careca?

Em 82 meu melhor amigo era o Júnior – não o da seleção, o afilhado de meus pais. Tinha a mesma idade que eu e a mesma paixão por esportes. E uma ainda maior: futebol de botão. Ele seria o personagem da minha copa, já que nós passávamos as férias sempre juntos, ocasião na qual realizávamos nossa “Olimpíada”.

Nossos esportes “Olímpicos” eram: futebol, vôlei, futebol de botão, dama, trilha e tômbola – uma espécie de bingo. Quem fizesse um maior número de pontos vencia as olimpíadas. Mas isso só começaria em julho e a copa de 82 começou em junho.

Aquele 2 a 1 na URSS me fez ter saudades do Carlos, que iria jogar no Corinthians e participaria da fase final da Democracia Corintiana. A falha do Valdir Peres no gol soviético foi dos momentos mais bizarros da história das copas. Mas o Doutor, com a elegância habitual e o Éder com aquele “tirambaço” colocaram os pingos nos is dos Comunistas comedores de criancinha. E olha que àquela altura eu já era de esquerda. Eu queria que a CCCP fosse vice-campeã, só para me vingar dos imperialistas Yanques.

Os jogos contra Escócia e Nova Zelândia foram passeios de gala, nos preparando para o melhor. Para quem não se lembra, a Argentina perdeu o primeiro lugar de seu grupo para a Bélgica e a Itália para a Polônia o que fez com que as duas seleções caíssem no nosso grupo na fase seguinte. Misericórdia... O que iríamos fazer com aquele arremedo de time que só tinha o Maradona e aquele outro que dependia de um tal de Paolo Rossi que nem gol marcava?

Quando ganhamos da Argentina por 3 a 1, com o Maradona expulso e nossos jogadores sentados no gramado esperando a poeira abaixar, nós – Júnior e eu – já estávamos em plenas atividades de nossa Olimpíada. Eu era melhor no vôlei e no futebol, desde sempre, apesar do Júnior ter uma estatura bem maior do que a minha. Eu era levantador do meu time da escola e era um meia-direita matador e tinha um passe espertíssimo.

Nas damas e nas trilhas ele levava a melhor. Isso lá era esporte? Fazer o que... No futebol de botão, área dele desde sempre, eu começara a perder meu complexo de vira-latas e andava ganhando num esporte onde ele sempre fora favorito. Tômbola era sorte, argh!

Assim, ficou para o dia 05 de julho de 82 o início da derradeira fase das Olimpíadas – o futebol, esporte mais nobre de nossa já nobre disputa. Não era uma partida apenas, era uma melhor de cinco!

Ele ganhara nas damas e nas trilhas, eu ganhara no vôlei e desbancara o favoritismo dele no futebol de botão. Apesar de meu mau humor com a tômbola – argh!!! – eu garantira mais um ponto nesta modalidade. De forma que ele tinha a obrigação de vencer - e bem - no futebol para ficar com o título nos critérios de desempate! Eu estava com a faca e o queijo nas mãos!

Foi com esta expectativa que entramos naquela segunda feira. Campinas e Barcelona eram vizinhas.

Todos sabem o enredo trágico que se seguiu a partir das 17h15min daquele dia fatídico. Nascia um mito - a segunda melhor seleção brasileira de todos os tempos - e eu, finalmente, entenderia o significado do que meu irmão me contara sobre a copa de 70. Não havia balões no céu de Campinas após nossa derrota, mas eu vira – EU VIRA – um futebol capaz de fazer qualquer céu se encher de balões.

Naquele dia eu não chorei. Menino crescido que era, tinha uma obrigação importantíssima a cumprir. Após a derrota de Sarriá eu garanti a minha vitória em nossa Olimpíada com uma vitória acachapante sobre meu melhor amigo Júnior. Não contem a ninguém, mas eu vinguei a derrota brasileira na Copa de 82...

Abraços.

O PRETO DADÁ


Escrevi isso há quase vinte anos quando Michael Jackson começou a ficar branco, com o objetivo de fazer uma música, que acabou nunca sendo composta:

“Jackson Sou"

Uns pretos me olharam nos olhos
Na vitrine transparente que é meu peito
Jatos coloridos de ódio contido
Dos pretos dos olhos de amêndoa

O preto dadá da civilização
O preto trará a sofisticação
Preto pálido, preto bom
Breton

O preto bonito da cara pálida
Destroça o romântico Byron
É Rimbaud pós-moderno
Mira a amêndoa dos olhos dos cegos

O preto soul permaneceu
O preto só anoiteceu
Preto fálico, preto ateu
Romeu

Acho que o menino que eu fui já estava de luto ao mesmo tempo em que se solidarizava com o Preto Dadá. Talvez, quando isso tudo passar, eu, finalmente, coloque música nesta letra..

Abraços.




terça-feira, 23 de junho de 2009

MINHA COPA DE 78


No outono de 78, quando se iniciou a da Copa da Argentina com o jogo entre Alemanha Ocidental e Polônia, meus pulmões urdiam silenciosamente um plano nem tão secreto que iria modificar para sempre os rumos da vida de todos em minha família. Não que eu me lembre de sentir algo diferente naquele período. Mas o futuro revelaria que isso seria verdade.

Com oito anos e tendo tido uma primeira infância um tanto quanto conturbada graças a diversos problemas de saúde, eu não tinha uma paixão especial por futebol nem por outro esporte. Primeiro foi a anemia profunda quando tinha um ano de idade. Depois as doenças comuns à idade e, por fim, uma caxumba e uma meningite no surto de 1975, que me deixaram bastante debilitado. Não demorou muito para começar a ter as crises de bronquite, até por que morávamos perto de uma zona industrial muito poluída. Definitivamente não tinha o perfil de atleta...

(Eu era o contrário de meu cunhado, que aparece num filme feito numa Super-8 em algum lugar dos Estados Unidos, jogando futebol com o pai. Eles estão felizes naquela imagem, pai e filho em perfeita comunhão. O menino chuta muito bem, meu sogro está radiante e extremamente orgulhoso. Nada me faria crer que teríamos em comum essa paixão tantos anos depois. Duas famílias tão distintas e tão parecidas na paixão pelo futebol).

O primeiro jogo de copas de que me lembro, portanto, foi o zero a zero com a Espanha. O legal foi assistir na escola e matar aula. Eu estava no segundo ano do ensino fundamental, minha professora era uma megera e minha letra, que era a mais bonita da turma quando eu me alfabetizara, tornara-se um garrancho de dar medo, sabe-se lá por que motivos, haja Freud para explicar. E a professora costumava, nos minutos finais das aulas, eleger um aluno que deveria anotar o nome de quem conversasse. Estes incautos conversadores tinham como castigo escrever dez vezes todas as tabuadas para a aula seguinte. Acontece que o Celsinho, um gorduchinho bem saudável que sentava atrás de mim, resolveu anotar o meu nome quando eu olhei para ele! Maldito Celsinho... Pena que não me lembro do nome da professora. Grande método de educação, hein, “Fessora”? Voltando ao jogo: foi chato. Nenhum gol! Anticlímax completo. Mas melhor do que escrever dez vezes as tabuadas do 1 ao 9...

Depois me lembro da vitória sobre a Áustria. Placar mínimo. Este vi em casa. Naquela casa de paredes verdes, lembra? Onde eu e minha irmã assistimos à final entre Corinthians e Ponte Preta no ano anterior. Dos jogos da segunda fase me lembro do empate sem gols com a Argentina e da vitória sobre a Polônia. Há dois lapsos quanto a estes jogos. Primeiro não me lembro de ter assistido a este último na escola apesar do calendário de 78 me dizer que era um dia letivo. Posso ter esquecido isso de propósito, como uma vingança contra aquele Celsinho injusto... Ou será que já estava com crise de bronquite? Mistério... Outra lembrança estranha: eu jurava que havia sido contra a Argentina que o Zico bateu um escanteio e o árbitro encerrou a partida quando o Brasil fez um gol, mas não é isso o que dizem as enciclopédias... Na verdade foi no jogo contra a Suécia, primeiro do Brasil na Copa. E foi um gol do Zico em escanteio cobrado pelo Nelinho. Criança pode inventar, não é? Afinal, se isso tivesse acontecido contra a Argentina sempre poderia pensar que, caso esta injustiça não tivesse se perpetuado o Brasil teria feito a final contra a Holanda...

Quando a Argentina venceu o Peru por 6 a 0 eu estava em casa, disso tenho certeza. Ainda tive vontade de ver Brasil e Itália. É o único gol de que me lembro como se fosse hoje: aquele petardo do Nelinho em que a bola fez uma curva impossível encerra a copa para mim. Sim, por que no dia da final eu subi a viela que dava para a rua de cima para jogar bola. Eu sabia que a Holanda seria campeã...

(Esta viela tem história. Foi por ela que eu subi para comprar pão pela primeira vez na minha vida sozinho. Eu disse ao atendente que queria um litro de leite e quatro “pons”. O Cara riu e disse que o certo era pães. Eu dei de ombros e pensei: adulto burro, não sabe plural como eu sei... Outra vez meu irmão sumiu de casa e eu fui achar nesta viela uma trilha de pedaços de gesso que ia até a avenida, bem longe. Eu parecia um personagem de João e Maria, sabe? A verdade é que o pobre não estava com o braço quebrado, estava com um pedaço de madeira fincado no braço e aquilo devia doer muito. Com medo, ele fugiu para a casa do padrinho).

Sabemos que a Holanda não foi campeã. A Argentina ganhava seu primeiro título, em casa, para alegria da ditadura militar de lá. De minha parte, o ano de 78 continuaria com uma crise de bronquite que me levou a uma internação de três dias. Eu não sabia, mas os médicos diriam à minha mãe que ela deveria me tirar de Santo André o quanto antes porque eu não sobreviveria muito tempo naquele clima e naquela poluição.

Em dezembro de 78, minha mãe levou a prole para passear em São Vicente. Não sei o que passou pela cabeça dela. Acho que queria que víssemos o mar antes de irmos para o interior. Há fotos deste passeio. As meninas de 18 e 17 anos. Os meninos de 13 e 8 anos. Eu, magrelinho e feliz, com as perninhas enfiadas na areia quase até os joelhos e o corpo pendendo para trás. Era um prenúncio: eu envergara, mas não caíra.

No dia 30 de dezembro, um caminhão baú estacionou em frente ao barraco verde. Entraríamos o ano de 79 em Campinas de onde eu só sairia em 95, depois de ver o Brasil campeão pela primeira vez, quando os pulmões, devidamente restabelecidos, me deixaram urrar minha felicidade plena...

Volto com a copa de 82.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

MINHA HISTÓRIA DAS COPAS



Nasci em 31 de maio de 1970, dia em que se iniciava a copa do México. Ela terminaria 21 dias depois com a vitória brasileira sobre a Itália, sabemos. Desta e da copa seguinte não tenho nenhuma lembrança, por motivos óbvios. Todas as edições subseqüentes tiveram relação muito importante com minha vida, para o bem ou para o mal. Mas destas eu falarei nos artigos seguintes.

Hoje quero falar da zona do limbo, da não lembrança, do não vivido. Interessante que muitas vezes pensei que gostaria de estar vivo em 2050, por exemplo, quando eu teria (ou terei?) 80 anos, para assistir à copa do mundo. Morrer significaria deixar de assistir às copas, da mesma forma que antes de nascer não pude vê-las. Coisa de maluco? Pode ser.

Em meu texto teatral “O teste”, publicado em 2004, o monólogo inicial da protagonista traz o seguinte trecho:

“Quem morre não está vivendo algo que nunca viveu: está apenas revivendo algo que sempre viveu antes disso tudo. Antes de sermos gerados por nossas mães, antes de estarmos em suas barrigas quentinhas e confortáveis, antes de tudo, não éramos nada. Quando morremos somos tão nada quanto éramos antes de nascer”.

É isso: sou em função das copas à que assisti. Assim, as copas de 30, 34, 38, 50, 54, 58, 62 e 66 são apenas números para mim, já que eu não existia. Minha relação com elas é estatística. Claro que sempre haverá aquela crônica inesquecível de um Nelson Rodrigues para nos desenhar com palavras a trajetória de nossas seleções nestas copas. Por isso mesmo precisarei pedir emprestada uma memória para falar de uma copa na qual eu existia, mas da qual não posso me lembrar.

Cabe frisar - antes de ir ao ponto que me interessa - que não há nada, nenhuma lembrança, nem mesmo emprestada, sobre a copa de 74. Eu tinha quatro anos e tudo o que sei sobre ela é o que todos sabemos através de jornais, revistas e televisão. Sabe aquela vez em que você tomou um porre e no dia seguinte não se lembrava de nada do que tinha acontecido? Pois é: a copa de 74 é o meu porre.

Voltemos à Copa de 70. Minha mãe deu à luz a este que vos escreve através de um parto normal às 7h15m da manhã do dia 31 de maio. Nem sei se ela se interessava por futebol, mas deveria estar muito ocupada se recuperando, cuidando de minhas fraldas, de minhas cólicas e me amamentando durante os 21 dias da copa.

Meu pai deveria estar dando um duro danado para garantir nossa sobrevivência já que nesta altura éramos quatro irmãos. Duas meninas, de 9 e 8 anos, um menino de 4, todos prestes a fazer aniversário, e eu. Não sei se a mais velha já trabalhava nesta época (se já não trabalhava iria começar logo depois, a vida dela nessa época não foi “bolinho”...), éramos muitas bocas a serem alimentadas.

De qualquer forma, não sei se minhas irmãs se interessavam ou não pela copa, se tinham condições de se interessar. A verdade é que nunca perguntei a elas isso nem tampouco elas me disseram algo sobre aquele período.

Veio de meu irmão, sendo que nem me lembro em que oportunidade, a minha memória acerca da copa de 70. Sei que era inverno e sei que era época de festas juninas. Vimos um balão no céu. Este balão - e sua beleza etérea para os olhos infantis - o levou ao dia em que o Brasil ganhou a final contra a Itália.

Segundo sua descrição, nunca houve um dia em que tantos balões estiveram no céu. Diante de tal deslumbramento, ele queria chegar até os balões. Para tanto, ele procurava pedras que pudesse escalar e, de sobre elas, dava saltos para o céu para tentar alcançá-los.

Na falta absoluta de memória daquela copa do mundo, empresto de meu irmão a poesia daquela vitória. Os gols de Pelé, Gerson, Jairzinho, Rivelino e companhia são balões cobrindo o céu para que crianças subam em pedras e saltem em direção ao éter.

Volto com a copa de 78.

NÓS E O IRÃ


Em 1978 eu distribuía, pelas ruas de Santo André, “santinhos” de Cláudio Lembo, candidato da ARENA ao senado federal. Eram tempos de distensão, estávamos às vésperas da anistia e voltávamos, aos poucos, ao exercício do voto. Eu tinha oito anos e achava o nome do partido da ditadura o máximo. Que bela pode ser a inocência.

No ano seguinte, o Brasil e o mundo seriam varridos por acontecimentos importantes. No ABC paulista, houve uma intensificação das greves dos trabalhadores da indústria metalúrgica e o surgimento de um importante líder operário. No Irã, islâmicos xiitas liderados pelo aiatolá Khomeini derrubam a monarquia autocrática pró-ocidente do Xá Reza Pahlevi e fundam uma república teocrática islâmica.

De minha parte, só comecei a ter alguma consciência política a partir do engajamento de minha irmã nas reuniões do Partido dos Trabalhadores, fundado em 10 de fevereiro de 1980.

Mais ou menos nessa época, minha irmã e sua turma de petistas decidiram se auto-intitular Xiitas. Era com orgulho que o faziam. Tratava-se de frisar ao mundo que eles tinham postura idêntica àquela turma do Irã revolucionário. Não ao ocidente, não aos Estados Unidos, não à pseudo democracia elitista. Sim à liberdade de credo, sim à volta às raízes.

Da mesma forma que os iranianos tinham o direito de se libertar da monarquia pró-ocidente, nós tínhamos o direito de nos libertarmos da ditadura e do capitalismo sem limites. Os iranianos tinham direito à sua escolha pelo islamismo e o ocidente que se lascasse com sua mania de querer catequizar a todos. As massas tinham direito a seu fortalecimento. A revolução islâmica do Irã era a versão oriental para a revolução francesa. Naquele momento histórico para as massas oprimidas, todos nos tornávamos “Xiitas”.

Com o tempo, passamos a utilizar o termo para designar toda a forma de radicalismo, mas ainda assim era um termo usado com orgulho. Sou radicalmente a favor da defesa das diferenças, sou Xiita a este respeito. Sou radicalmente a favor da emancipação feminina e, neste sentido, sou Xiita. Nenhum negro deveria ter piores oportunidades do que um branco e somos Xiitas quanto a isso. Minha irmã e eu somos, definitivamente, Xiitas. Minha amiga Sílvia Borges é Xiita, ela também vítima da ditadura militar.

O problema é que as páginas dos jornais me confundem. Talvez as coisas sejam um pouco mais complicadas para cérebros tão cartesianos quanto o meu. Não quero falar por minha irmã e por minha amiga Sílvia Borges. O que aconteceu com o regime que defendíamos para o Irã, contra o império Estadunidense e que nos fazia nos autodenominar orgulhosamente de Xiitas? Onde é que foi parar nossa aposta na liberdade? Perdemos o bonde da história?

Há trinta anos éramos jovens e acreditávamos em muitas coisas, tínhamos sonhos, a anistia nos apontava para o futuro, o Irã nos apontava para o futuro, o PT nos apontava para o futuro e o futuro é uma manchete de jornal que diz que Lula apóia a reeleição de Ahmadinejad a despeito de que todos os fatos nos levam a crer que o que estamos vendo é o recrudescimento de um regime que já estava longe de ser a utopia que sonhamos quando nos autodenominávamos Xiitas.

Estamos tomando um tombo retórico. Éramos radicalmente contra as opressões e neste caso se enquadram regimes como a ditadura militar brasileira, a direita fundamentalista de George W. Bush, o comunismo soviético e o cubano e a teocracia dos aiatolás. Afinal, somos a favor do que então, se tampouco podemos contar com utopias?

Vivemos no limbo entre a utopia e a distopia, entre o lembrar e o esquecer, entre o sonho e o pesadelo, entre o ontem e o amanhã. Hoje. E hoje não está nada bom. Os românticos é que tinham razão: quanto mais longe da inocência mais longe da felicidade. Que saudades de entregar santinhos do Cláudio Lembo.

P.S.: Nos próximos artigos vou tratar de Copas do Mundo. Para fugir do hoje.

terça-feira, 16 de junho de 2009

DE REPENTE, CALIFÓRNIA

De Repente, Califórnia (Shelter, EUA, 2007), é uma ótima diversão. Premiado em Sundance, notoriamente um festival que valoriza bons roteiros, conta a história de dois grandes amigos, de classes sociais bem diferentes e de como a vida de um deles - o pobre - se modifica por completo quando reencontra o irmão mais velho de seu melhor amigo.
O nome em português não ajuda. O nome original (abrigo) é muito mais apropriado. Mas o que esperar destas versões em português para nomes de filmes? Além disso o filme estreiou na semana da parada gay e está em cartaz do Shopping Frei Caneca, também conhecido como "Gay Caneca" (além do Espaço Unibanco). Então trata-se de um filme para o público gay, certo? Errado.
"Brokeback Moutain" era um filme para o público gay? Se isso realmente existe, este era muito mais um "filme gay" do que "De Repente, Califórnia". Se o primeiro mantém as mulheres à distância - lembra que a esposa do personagem de Heath Ledger descobre a relação dele com o outro cowboy e nada diz à respeito? - aqui as mulheres têm papel fundamental.
Se no primeiro o destino trágico da relação nos leva à lágrimas que pouco colaboram para um verdadeiro raciocínio sobre a aceitação das diferentes orientações sexuais, bem ao gosto de Hollywood, aqui as diferenças são apresentadas em todas as suas dimensões e não há espaço para chorinho no fim.
Há espaço, entretanto, para que pensemos nos modelos de relações existentes - sejam elas heterossexuais ou homossexuais - e nos vícios e virtudes que podem existir em todos eles.
Claro que não há apenas qualidades... O casal protagonista é de uma beleza que nos faz pensar em mundo idílico e não real. Os clichês que permeiam as fantasias homossexuais e que já fazem parte do universo erótico dos gays estão todos lá. Mas não dá para ser perfeito... Quer dizer, é perfeito e isso não existe...
Não posso dizer mais para não estragar as surpresas do filme. Aliás, já está à disposição em DVD um outro filme que gosto muito e que flerta com a questão da diversidade de forma distinta à de Hollywood. Trata-se de "Canções de Amor".
Divirtam-se.
- De Repente, Califórnia (Shelter, EUA, 2007)
Com Trevor Wright, Brad Rowe e Tina Holmes
Direção: Jonah Markowitz
Shopping Frei Caneca e Espaço Unibanco
- Canções de Amor (Les Chansons d'Amour, FRA, 2007)
Com Louis Garrel, Ludivine Sagnier e Clotilde Hesme
Direção: Christophe Honoré
Em DVD

segunda-feira, 8 de junho de 2009

DO LUTO E DA CULPA POR PERMANECER

Desde a queda do Airbus da Air France vivo uma muda expiação. Reler a última postagem foi uma tortura. Não pude achar nenhuma graça em minha tentativa imbecil de transformar medo em anedota.

A tragédia me remeteu imediatamente à minha experiência primaz com a dor da perda – Wagner, sempre Wagner... Lembro-me como se fosse ontem que nada me acalmava. Tudo em mim era uma culpa imensa por ter permanecido.

A maior parte das pessoas pensa que, na morte, a dor da perda é a experiência fundamental. Deve ser mesmo. Mas eu pensei, naqueles dias como agora, na experiência de se extinguir e na consciência gerada no momento da extinção.

Penso nos quatro minutos que dividem o primeiro incidente dentro da aeronave do momento em que chega a certeza de que se está morrendo. É isso que me apavora nos aviões. Do silêncio de minha dor espero que aquelas pessoas tenham perdido a consciência imediatamente.

Quando voltava do Rio na semana passada o aeroporto de Congonhas foi fechado para pousos e decolagens às 14h30min graças a uma forte chuva. Permanecemos no ar sobre a cidade de Ubatuba – segundo informou o comandante – até que a situação melhorasse. Durante esse tempo, ainda que estivesse absolutamente controlado, me era impossível não pensar no jato da Gol nos minutos que se seguiram à colisão com o Legacy. Voltei a pensar nisso no dia 31 de maio, dia do meu aniversário.

Estranhamente, quando a atendente da TAM me perguntou se eu queria janela ou corredor eu respondi a primeira opção. Não havia nenhum passageiro na fileira na qual viajei. O dia estava lindamente aberto. Pela primeira vez eu prestei atenção na costa do Rio de Janeiro. O mar imenso. Uma estreita e longa faixa de terra e o mar imenso. O sol quase me queimava. Como pode ser doce o medo.

Do outro lado do corredor uma dupla de comandantes, impávidos mesmo quando foi anunciado que estaríamos presos sobre todas as coisas, lanchava e conversava alegremente. Suas esposas seriam mulheres muito bem informadas sobre as estatísticas acerca da possibilidade de se morrer em vôos ou apenas mulheres resignadas com o fato incontestável de que todos nos perderemos uns dos outros uma hora destas?

Sim, perder alguém é uma terrível experiência. Todas as vezes em que penso na palavra “terrível” é disso que me lembro. Foi esta palavra que repeti para mim mesmo, como para me descrever o que estava sentindo há quase 25 anos.

No entanto, tanto mais terrível era compreender o corte seco, a ruptura, a violência da interrupção aguda e repentina que acontecera com o outro, com o que se fora. Desde então o lugar comum que atribui o sofrimento a quem fica não me acalma.

Minha culpa, minha máxima culpa por permanecer. É como me senti na primeira vez e é como me sinto agora diante da última tragédia.

terça-feira, 26 de maio de 2009

TODO DIA ELE FAZ TUDO SEMPRE IGUAL…


Nasci velho. Odeio novidades. Gosto da repetição. O mesmo lugar no sofá da sala, o mesmo lado para dormir na cama, os mesmos cadernos do jornal lidos na mesma seqüência todos os dias, o mesmo ritual ao tomar banho, ao lidar com as lentes de contato, o lugar onde deixo os óculos, o aparelho para controlar o “bruxismo” no mesmo lugar. Não à toa, quando a Zélia – nossa diarista – tira algum objeto do lugar, eu me transformo de míope em cego. Não encontro. Não treinei meu olhar para encontrar minhas coisas em lugares aos quais não estou acostumado.

Dormir fora de casa é uma grande tortura. Não gosto. Nem na casa de minha mãe. Vamos à Campinas e voltamos no mesmo dia para desencanto dela. Eu quero minha casa após algumas horas! Não abro mão. Quando Juliana e eu decidimos que moraríamos juntos, eu a destituí de seu lugar na cama. Não foi por maldade. É que quando quebrei o úmero direito – qualquer hora conto esta história – só podia dormir de lado sobre o ombro esquerdo o que me fez tomar o seu lado na cama. Eu dormia em minha casa às segundas, terças e quartas e, no resto da semana, eu dormia na casa dela. Quando o úmero estava intacto, eu já me acostumara. Nós nos acostumáramos. Ela também é velha.

Assim, o que poderia ser um prazer – trabalhar, neste caso – pode se transformar numa pequena tortura. Basta que o trabalho me faça dormir fora de casa, por exemplo. É o que vai acontecer esta semana. Vou para o Rio. E ainda vou ter de entrar num avião... Odeio aviões. Odeio Congonhas, com ou sem ranhuras. Mas com chuva é pânico certo. E é TAM, e é AIRBUS, e o Aeroporto Santos Dumont fica no meio das águas da Baía de Guanabara, e teve o acidente no fim de semana, e os jornais de hoje falam sobre uma turbulência num vôo vindo de Miami, ah!!!

Minha hipocondria vai ao nível treze na escala que criei que vai de 9 – estável e constante – a 15 – nem Prozac me faz feliz!!! – o que me permite alguns subterfúgios tais como partir para o “Gin-Fizz” antes do embarque, duplo de preferência, e até mesmo tentar solicitar ao passageiro da poltrona 10B que pegue na minha mão, pelo menos na hora da decolagem. E sim, estou na 10C por que nada é pior do que andar de avião na janela, só mesmo o Romário para brigar para ficar olhando para fora - o que aumenta a sensação de impotência durante um vôo...

Além disso, o hotel é na Barra... Eu nunca vou à Barra da Tijuca quando vou ao Rio, acho o bairro o anti-Rio - mesmo sem conhecer. Acho que por saber que é reduto de novos ricos e celebridades, o que é quase a mesma coisa, aliás. Deve ter gente legal na Barra, mas eu vou estar num hotel, então vai ser bem difícil achar estas pessoas. Ok, as pessoas do hotel podem ser legais, mas elas são legais por obrigação profissional. Se eu tiver uma baita insônia pensando que não tenho a minha mulher para me pedir para dormir de conchinha - coisa que, todos sabemos, é por vezes desconfortável, só as mulheres não percebem - o cara do bar do Hotel não vai bater um papo comigo a respeito.

Não bastasse isso tudo, o personagem que eu vou fazer é um coveiro... A cena é de enterro... A coluna do Rubem Alves na Folha de hoje é sobre a possibilidade de se deixar morrer e a do João Pereira Coutinho chama-se “A Vida não nos pertence”!!! AH!!!! Não dá para manter o controle assim!

E tome dor nas costas, o pé direito dói também, há dois dias não tenho fome na hora do jantar, tinha uma pontada no lado direito do peito que migrou para o lado esquerdo, o joelho esquerdo começou a doer agora...
Ainda bem que sei que, quando o avião pousar em Congonhas, minha vidinha besta volta ao normal. É o que espero...

P.S.: Sobre Maísa: a justiça entrou no caso. Ameaçou o SBT com multa, tirou a menina do ar no domingo, etc... Ainda assim eu gostaria de ouvir os pais dela, até para saber se eles têm recursos para lidar com a questão. Seria inclusive uma forma de poderem se defender das acusações que lhe foram imputadas, inclusive por este blog.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

MAÍSA, MAYSA, CAZUZA, ETC...

Sou eu o homem, eu sofri, estive lá.
(Walt Whitman)
Tanto a minissérie "Maysa" quanto o filme "Cazuza-O Tempo Não Para" cometeram o mesmo pecado, em minha opinião: apresentam como mimados, egoístas e superficiais personagens que tinham nestas características uma parte - e tão somente uma parte - menos importante e impactante de suas personalidades. Além de serem realmente aquilo tudo, eram tristes, excessivamente intensos e valorizavam um viés da existência bastante distinta da cultivada - ou mesmo enxergada - pela maioria das pessoas que os rodeavam. Isso aumentava neles, em muito, a sensação de solidão que todos sentimos.
A primeira escreveu estes versos: "Todos acham que eu falo demais/E que ando bebendo demais/Que essa vida agitada não serve pra nada/Andar por aí, bar em bar, bar em bar/Dizem até que ando rindo demais/E que conto anedotas demais/Que não largo o cigarro e dirijo meu carro/Correndo, chegando no mesmo lugar/Ninguém sabe é que isso acontece porque/Vou passar minha vida esquecendo você/E a razão porque vivo esses dias banais/É porque ando triste, ando triste demais (...)". Não cortem os pulsos ainda leitores, lá vem Cazuza: "Eu não sei o que o meu corpo abriga/Nestas noites quentes de verão/E nem me importa que mil raios partam/Qualquer sentido vago de razão/Eu ando tão down/Eu ando tão down/Outra vez vou te cantar, vou te gritar/Te rebocar do bar(...)". Essas pessoas não podiam ser apenas adultos mimados. Havia um substrato alí que mergulhava na melancolia pelos motivos mais diversos.
E por que estou falando disso tudo? Por que andei vendo na Internet alguns vídeos com uma outra Maísa (uma menina de seis anos) sendo vilipendiada em rede nacional por um conhecido apresentador de televisão que fez fortuna com o infortúnio alheio. (É fácil de achar: entre no youtube e digite Maísa).
Adultos são produtos das crianças que pudemos ser. Será que ninguém vai fazer nada acerca do crime que estão cometendo com esta menina? O que fazem a mãe e o pai dela? Onde estão, como podem assistir a tudo incólumes? Daquele senhor que a maltrata não podemos mesmo esperar muito, mas os pais? Eles deveriam defendê-la! E ainda há uma tia da menina que anda dizendo que a repercussão do caso é desproporcional, que a menina é assim mesmo... Assim mesmo como, "cara-pálida"??? Sensível, demais? É isso? E por que ela é sensível demais??? A menina nem sabe o que estão fazendo a ela. Esses pais estão armando uma bomba-relógio e quem vai pagar a conta é a pobre Maísa.
Definitivamente nós não sabemos tratar essas pessoas. Nós as matamos. É claro que, muitas vezes, não podemos fazer nada por alguém, mas sempre podemos ver os sinais. O deus "mercado" pode tudo, inclusive moer a carne de quem ele quiser para lucrar. Me lembro de tantos... Cássia Éller, Renato Russo, Kurt Kobain, só para citar alguns, gente que estava triste, que precisava de ajuda... Nós adoramos ver as pessoas serem imoladas em praça pública. E o maldito "mercado" também...
Não acredito que estou exagerando, honestamente. Nem sei como EU pude me safar e sei o preço que paguei por isso! O ministério público notificou a emissora e a ameaça com a possibilidade de reclassificação do programa para após as 20 horas... Eu estou pouco me importando com a reclassificação do programa! Estou preocupado é com a saúde da menina!
Vou esperar os próximos passos, mas fica aqui minha indignação.
Abraços.
P.s.: Alguns estão tendo dificuldades de deixar comentários. Sei que às vezes é difícil, mas se insistir funciona, eu já tentei. Entretanto, se preferir, pode mandar seu comentário para elispar@ig.com.br com a observação "autorizo a publicação deste comentário em seu blog".

quarta-feira, 13 de maio de 2009

EXCESSOS

O homem que sou buscou seus alicerces na dor. Não me orgulho disso. Pelo contrário. Quando experimentei a felicidade pude perceber quão digno de lástima eu era. De resto, nós, seres humanos, somos em boa parte do tempo dignos de lástima.

No tempo em que minhas dores eram maiores eu era um homem excessivamente bom, excessivamente gentil, excessivamente solícito, excessivamente servil, excessivamente honesto, excessivamente crítico, exigente, amoroso, generoso, disponível, afável, cristão, paciente, compreensivo, doce, delicado, educado...

O homem repleto de dores que fui quase sempre se sentia mais só a cada excesso. Menos amado a cada excesso. Mais explorado a cada excesso. Mais triste a cada excesso. Meus excessos, uma tentativa desesperada para ser aceito pelo mundo, faziam de minhas dores uma espécie de “bumerangue”.

Minhas dores ainda não estão num passado longínquo. Na verdade às antigas juntam-se outras. Mantidas todas sob controle, entretanto. Todos as temos, não é mesmo? Meus excessos, entretanto, começam a minguar. Isso é maturidade ou desistência?

Entretanto ainda me exaspero quando encontro alguém que, como eu, insiste em ser excessivamente bom, ou exigente, ou excessivamente o que for. Lembro-me bem do quanto isso me fez mal. Em se tratando de alguém que amo, então... Fere-me, aperta-me o peito, dói-me, como antes.

Por isso, às vezes, sinto-me excessivamente frustrado por não poder apagar da história destas pessoas as dores das quais não pude me poupar quando me era possível. Por isso, às vezes, sinto-me excessivamente intolerante com aqueles que insistem em cometer os mesmos erros que eu, tantas vezes nos anos de minha juventude, cometi. Por isso, às vezes, torno-me excessivamente impaciente com as pessoas que mais amo, quando as vejo cometendo os mesmo erros que cometi no passado.

E, de excesso em excesso, não perdôo nas pessoas que amo os excessos que sempre se voltaram contra mim quando me parecia que deveriam apenas mostrar ao mundo todo o quanto eu poderia ser generoso, bondoso, servil, amoroso, afável, doce, compreensivo.

De excesso em excesso, torno-me excessivamente exigente, crítico, impaciente, intolerante, arrogante, soberbo, por não perdoar nos que amo o pecado de cometer meus erros, de repeti-los, de me fazer lembrar de minhas imperfeições e de minhas dores.

Todas essas explanações não justificam meus excessos, mas ajudam a me compreender um pouco melhor. E me ajudam, pouco a pouco, a aceitar nos outros aquilo que me lembra tantas dores e aquilo que me causou essas dores . No fim das contas somos todos – nós, seres humanos - falíveis.

Por isso, às vezes esqueço as dores e lanço um olhar excessivamente generoso sobre toda a humanidade. O que me inclui. E aos que amo.

P.s.: Esse não é um pedido de desculpas: é uma declaração de amor pública.

terça-feira, 12 de maio de 2009

MARIA ALICE

Era março de 1981. Eu tinha dez anos e iniciava a quinta série. Era a primeira aula numa fase em que passávamos a ter muitos professores. Escola Estadual Professor Carlos Francisco de Paula no Bairro Cidade Jardim, em Campinas. Todos estávamos apavorados. Eu estava, ao menos. Em minha lembrança, entretanto, o mês era abril. Ela nos esperava junto à porta da sala de aula para nos receber, sorrindo. O menino que eu fui cita a música: "Nossa velha amizade nasceu/de uma luz que acendeu/aos olhos de abril/com cuidado e espanto eu te olhei/no entanto você sorriu/concedendo-me a graça de ver/talhada em você/a nobreza de frente/o amor se desnudando no meio de tanta gente/um doce descascado prá mim/eu guardo pro fim/prá comer demorado/uma grande amizade é assim/dois homens apaixonados/e sentir a alegria de ver/ a mão do prazer/acenando prá gente/o amor crescendo enfim/como capim pros meus dentes".

De fato ela sorria e naquele dia eu comecei a amá-la. Não imagino quantos anos tinha Dona Maria Alice, tampouco quantos anos tem hoje. O que sei é que desde então eu a tenho em minha memória. E não foram poucos os conflitos. Eu fui um menino terrível. Tinhoso. Arrogante por vezes, mesmo sem saber ao certo o quanto eu era inteligente. Imagino que também era apaixonante. Sem falsa modéstia. Ela me apresentou o teatro. Me estimulou a escrever e a ler. O músico que sou também deve muito à ela.

Acabo de ter notícias dela. Aposentou-se. Tem três netos e mais dois vindo. Tem acompanhado este blog. Vou vê-la um dia destes. Quantos têm o privilégio de reencontrar alguém tão importante?

Maria Alice já não era mais minha professora quando nos chamou - a mim e a alguns amigos de escola - à sua casa para conversar conosco acerca do que sentíamos quando Wagner morreu. Era meu melhor amigo. Por muitos anos não houve ninguém tão importante para mim quanto ele. Foram precisos muitos anos de análise para compreender esta dor, esta perda. Ela soube, desde o início, dar importância aos meus sentimentos com relação àquela perda. Mesmo que não saiba ainda.

Na verdade apenas quando comecei a amar Juliana, minha mulher, 21 anos depois, é que pude, finalmente, superar a dor daquela perda. Ninguém, afora minha analista - obrigado Adriana! - e minha mulher sabem o que senti em 14 de julho de 1984. Agora Maria Alice também sabe. De qualquer forma ela me cuidou um pouco em agosto daquele fatídico ano.

Poucas são as pessoas que significam tanto para mim. Claro: há minha mãe, minhas irmãs, Juliana - meu amor maduro - e alguns poucos e bons amigos. Mas alguém que tão pouca responsabilidade poderia ter... Na verdade acho que quem nos educa DEVERIA ter este tipo de responsabilidade. Mas há uma grande diferença entre o DEVER e o PODER. Ou o QUERER.

Juliana conta algumas histórias sobre uma professora que foi importante para ela. Será que todos temos alguém especial assim? Será que prestamos as homenagens necessárias a estas pessoas? Reclamamos tanto - eu mesmo já fiz isso neste espaço - mas, será que nos lembramos daqueles que foram importantes para nossa formação?


Dividam comigo - conosco - suas experiências a esse respeito.


Abraços.

domingo, 3 de maio de 2009

O CAMPEONATO DE 1977

Morávamos num barraco verde, acho. Sim, era verde. Meus pais mudaram do bairro Capuava, atrás da Petroquímica, para o Jardim do Estádio. Ao nosso lado vivia a Dona Maria, uma negra retinta com seus inúmeros filhos fortes e bonitos. Sei que eram bonitos. Tenho certeza disso ainda que não me lembre deles.
Era no terraço da casa dela, de Dona Maria, que estávamos naquele dia em que me tornei Corinthiano. Meu pai era São-Paulino. Estranho que agora, tanto tempo depois, o pai e o irmão de minha mulher sejam São-Paulinos e ela seja Corinthiana... Eu de família proletária, ela de família tradicional. Mas estou fugindo da questão central.
Falávamos - eu e meus amigos, por volta de 75 - sobre futebol e eu ouvi pela primeira vez aquele nome: Corinthians. Como achei bonito... Mal sabia que se tratava de um nome inglês, só achei bonito. Minha opção pela beleza, pela estética, pelas artes, já se apresentava ali. Eu torcia pelo São Paulo já que meu pai me influenciara.
Naquele dia eu disse: "Pai, posso ser Corinthiano?" Ele disse: "Sim, você pode". Passei a ser. Ou teria inventado esta teoria? Sim, por que minha irmã, que nesta altura já tinha condições de compreender o que se passava no país, poderia perfeitamente ter me influenciado, de alguma forma, a torcer pelo time das massas, o time dos sofredores, o time dos oprimidos, o time daqueles que tinham na ditadura militar seu maior inimigo. Mas, em minha memória, eu me tornei Corinthiano após a anuência de meu pai.
Para meu infortúnio e o de milhões de outros torcedores, o time não ganhava nada há anos. Eu não sabia disso. Isso não importava para um menino de cinco, seis anos. O nome do time era o mais importante. E o nome era lindo. O mais lindo de todos.
O barraco de paredes verdes tinha três cômodos e um banheiro. Ficava acima da altura do terreno. Era preciso subir um lance de escadas. Chegava-se então à cozinha. Ao fundo deste cômodo ficava o banheiro que era usado pelos seis membros da família. À direita da cozinha havia uma sala-quarto. Era aí que dormíamos os filhos. Como cabíamos todos ali? Não me lembro bem. Quantas camas havia? Sei que dormia ali já que no surto de meningite de 75 eu cai de uma das camas de solteiro deste cômodo e fiquei longo tempo no chão antes que minha mãe me ouvisse e me acudisse. Mas não sei como cabíamos todos... Depois deste quarto-sala havia um outro quarto à esquerda onde dormiam meu pai e minha mãe.
No quarto-sala estavam a TV e uma biblioteca. "O FBI não Perdoa" era um dos livros. Minha irmã insistia em ter livros, mesmo naquele lugar. Como ela encontrava espaço? Ela sempre foi uma completa alienígena. Ainda hoje é. Eu, definitivamente não a entendo! Antes, porque conseguia, em meio a tanta pobreza, ter livros, cultura e opiniões. Hoje, por que, em meio a tanta violência e mediocridade, ainda consegue querer pensar em educação. Definitivamente eu não a entendo...
Onde estavam todos naquela noite de 1977? Em minha memória estávamos apenas ela e eu. Era um grande sofrimento e um gol apenas. Não vou olhar no "google" agora para saber de quem foi o gol. Só sei que o Corinthians ganhou da Ponte. Um a zero. Nós nos abraçávamos. Nos beijávamos. Eu tinha sete. Ela dezessete. Eu nem sabia o que acontecia. Ela deveria estar pensando que aquela era uma vitória não do Corinthians, mas dos milhões de pobres oprimidos espalhados pelo país.
Ainda se passariam muitos anos para que os oprimidos se manifestassem. Ela ajudou a fundar o PT, muitos anos depois. Nós choramos quando Jacó Bittar foi eleito prefeito de Campinas. O PT virou o que sabemos. O Toninho do PT morreu. Muita coisa morreu no PT. Mas continuamos Corinthianos.
Hoje à tarde, quando terminar o campeonato paulista, estaremos, outra vez, assistindo a uma parte da história. Escrevo antes do jogo, então não sei se somos campeões invictos, campeões com uma derrota ou vice-campeões após uma derrota histórica. De qualquer forma, nossas histórias de plebeus se aproximam da história de outro plebeu, favelado, morador de barraco, sei lá que outras coisas loucas aconteceram à ele além daquelas que sabemos pela mídia.
Espero que o Ronaldo - o outro plebeu - apenas esteja feliz. E que ele tenha memórias tão emocionantes quanto as que tenho. Como eu e minha irmã nos deitando, em 1977, repetindo como crianças felizes: "Boa noite Corinthiano". "Boa noite Corinthiana".


Até amanhã.


sexta-feira, 1 de maio de 2009

PRIMEIRO DE MAIO DE 1994

Onde você estava na manhã de primeiro de maio de 1994? Eu jamais vou me esquecer...
No ano anterior, eu ainda vivia na Moradia Estudantil da UNICAMP. Era lá, numa máquina de escrever elétrica "Brother" - comprada após eu me cansar de escrever em máquinas comuns, numa loja "Sears" que não existe mais - que eu escrevia os textos teatrais com os quais eu e minha companhia de teatro ganhávamos a vida. Eram peças sobre qualidade total, segurança no trabalho, temas, enfim, relacionados ao mundo corporativo.
Apesar de termos dinheiro não tínhamos sede, o que me irritava bastante. Finalmente, após eu praticamente dizer que eu iria embora do grupo caso eles não concordassem em alugar um lugar que nos servisse de sede - e de resto levar comigo a "galinha dos ovos de ouro" de todo mundo, ou seja, meus textos - finalmente alugamos uma grande casa ao lado da antiga rodoviária de Campinas onde, anos antes, um grupo de alunos de artes cênicas tinha feito uma república com umas 20 pessoas. Era tanta gente que havia colchões espalhados por todos os cômodos da casa, menos na cozinha, é claro.
Havia na casa um amplo espaço para ensaios no andar superior e embaixo vários cômodos, o suficiente para fazermos um escritório e termos ainda dois quartos para abrigar quem, eventualmente, precissasse dormir por lá. Um destes quartos eu passei a dividir com um colega da companhia. Assim, morávamos no local de trabalho. Esse colega - Rogério - levou para nossa sede uma TV que ficava em frente à mesa do escritório, num suporte acima da porta, que levava para a cozinha. À esquerda da mesa, ficava uma grande porta de vidro que dava acesso à sacada e que nos dava a visão de uma praça não muito atraente. À direita, ficava um sofá grande o suficiente para abrigar três pessoas.
Não entendo o motivo pelo qual não posso me lembrar da presença de Rogério naquela manhã. O mais estranho é que me recordo dele à tarde, quando eu saí para um compromisso previamente assumido... Estranho também porque ele costumava ver comigo aos programas que eu gostava de assistir.
Me lembro como se fosse hoje que, antes da imagem, ouvi o narrador dizer: "Bateu forte Senna. Bateu forte Senna!" Isso ainda ressoa em meus ouvidos, mesmo quinze anos depois. Acho que só senti algo semelhante em 11 de setembro de 2001, quando vi pela TV o atentado às torres gêmeas. Lembro da cabeça pendendo para o lado e da esperança que todos tivemos - apresentador incluído - com esse movimento que, saberíamos depois, era involuntário. O que aconteceu a seguir todos sabemos. Ayrton Senna morreria em função do acidente poucas horas depois.
Naquela tarde eu fui visitar Dona Maria Alice, personagem que já apresentei neste blog. Eu não a via há anos. Mais uma vez havia uma morte entre nós. A primeira acontecera dez anos antes, em julho de 1984. Foi naquela mesma sala que eu disse diante de outros cerca de vinte adolescentes, aos prantos: "Eu amava o Wagner".
Em primeiro de maio de 1994, falamos muito tempo sobre a outra morte, a de Ayrton. Também sobre a de Wagner. Foi nesta tarde que vi pela última vez Henrique, filho de Maria Alice e meu antigo colega de classe. Eu ainda a veria em 1996, na estréia de "Mr. Moquimpó", meu primeiro espetáculo após a formatura da UNICAMP. Sei que ela se orgulhava de mim. Deve se orgulhar ainda se é que ainda acompanha minha carreira.
As cores daquele primeiro de maio, a temperatura, tudo sempre volta, a cada ano. É uma melancolia calma. Tão calma que assusta. Naquele dia morria em mim a certeza de que basta talento para se alcançar o sucesso. Pode parecer estranho, mas foi isso o que significou a morte de Ayrton Senna para mim. Eu tinha raiva de nosso fracasso. Sim: a morte dele era o MEU fracasso também!
Eu nunca consegui, na longa Era na qual Schumacher foi imbatível, admirar sua pilotagem. Muitos puderam ter algum prazer, achar que entre eles havia algo em comum. Eu nunca pude. Tive raiva de Schumacher até a sua aposentadoria. É como se ele fosse um pouco responsável pela morte de Senna. Era ele quem o perseguia implacavelmente antes que Senna entrasse pela última vez na curva Tamburello.
Talvez o marketing de bom moço tenha colaborado para isso. Não chegavam até nós o possível lado "ruim" de Senna. Ou talvez eu os tenha apagado, não sei. A verdade é que, no enredo que eu tecera, ele era o mocinho da história e mocinhos da história não podem, não devem morrer! E Alain Prost - sempre defendido por Jean-Marie Balestre, recentemente falecido - alcançara o quarto título mundial no ano anterior, era muito injusto! Então não valia mesmo a pena ser honesto, gentil, bom caráter, justo, nada disso! NÃO VALIA A PENA ser bom. Isso era terrível!
Não fui ao enterro de Senna. Como não fui no de Wagner. Não me arrependo de não ter ido ao do primeiro, mas o fato de não ter ido ao do segundo ainda me aterroriza.
Na TV do Rogério, sozinho, deitado no chão do escritório, assisti à final da copa na qual o Brasil se sagrou campeão, dois meses depois da morte de Senna. Desta vez me lembro o motivo pelo qual Rogério não estava: era julho e ele visitava a família no Rio. Naquele dia, durante a cobrança de pênaltis, achei que iria morrer e tive medo. Em primeiro de maio de 1994 não tive medo. A melancolia é corajosa e é isso que me assusta nela...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

EDUCAÇÃO

Quando eu tinha 13 anos, ou seja, exatamente há 26 anos, eu proferi um discurso num fórum de educação na cidade de Campinas - onde morava - no qual afirmava, entre outras coisas, que "se a educação no Brasil continuar dessa forma nós vamos acabar nos tornando um 'xerox' da idade média". Ao reboliço - que se seguiu à essa afirmação tão contundente vinda de um menino morador de um dos bairros mais pobres da periferia da segunda maior cidade do mais rico estado do país - juntou-se outro, mais grave, já que afirmei, nas diversas entrevistas que dei, que faltava democracia nas escolas. Que confusão.
Preocupada com a possibilidade de alguma represália, Maria Alice Conde Alves Rodrigues, então ex-professora de Língua Portuguesa da escola pública que eu frequentava, me levou à Secretária de Educação com o intuito de criar alguma "blindagem" que me permitisse continuar a estudar em paz, mesmo após essa bombástica declaração, feita num período de ditadura militar. Não sei se houve alguma blindagem e tampouco sei se isso era mesmo necessário. Eu era apenas um menino aprendendo a opinar.
Aparentemente não houve represália. Não que eu saiba. A ditatuda terminou dois anos depois, tivemos de esperar por mais um longo período antes de votar para preseidente da república e o resto é história.
A verdade é que a educação de fato tornou-se um "xerox da idade média". O vaticínio do garoto de 13 anos se concretizou. Claro, há exceções, pelo menos deve havê-las, ainda que eu não as conheça; me desliguei da escola pública há muito tempo. O que me dá esperança é que há ainda pessoas como Professora Doutora Clarete Paranhos - que, de frequentadora de escola pública, é hoje supervisora de ensino e professora Universitária - e Maria Alice Conde Alves Rodrigues - que se já não trabalha com educação (não tenho notícias recentes dela) fez sua parte no tempo que lhe coube - que insistem em se meter neste matadouro que é a educação no país. De resto, só quem pode pagar tem acesso de fato à educação.
Não podemos negar que houve evolução. Na UNIFESP de Guarulhos dou aula para jovens que vieram não apenas da elite. A universidade pública já chega mais a quem não tem recursos. Eu mesmo frequentei uma das melhores universidades da América Latina, a UNICAMP, numa época em que pobres quase não podiam fazê-lo.
Ainda assim, penso que há um abismo enorme entre a educação de qualidade e a educação mediana. O ensino público fundamental e médio estão pilhados. Famílias que não podem proporcionar ensino privado para seus filhos, acabam pagando por faculdades, em sua maior parte, dispostas mais à caçar níqueis do que a garantir boa formação e pesquisa minimamente aceitável.
O mais angustiante nisso tudo é que minha experiência na UNIFESP demonstra que ensino de qualidade não é um milagre. Basta vontade política. Quando um jovem tem acesso a educação de qualidade ele, em geral, não abre mão, torna-se um apaixonado pela coisa, aproveita de fato.
Me lembro que quando cheguei à UNICAMP, mesmo tendo sido um aluno acima da média para os padrões daquela época, tive que me virar para acompanhar o nível dos colegas de turma. Em meu primeiro seminário em História do Teatro Ocidental, por sorteio fiquei incumbido de fazer um seminário sobre "Édipo Rei", de Sófocles. Meu amigo que se tornara responsável pelo "Édipo em Colona" me perguntou se eu pretendia fazer uma abordagem "Freudiana" do mito e eu disse que sim. Mas ora! Eu não sabia do que ele estava falando! Nunca li tanto Freud quanto neste período! Nem filosofia! Nem tudo que me aparecia à frente!
Os garotos da UNIFESP também são assim: basta que você cite uma ou duas obras para que eles se atirem de cabeça na pesquisa e voltem como se sempre tivessem sabido a respeito. É mais ou menos como aprender a ler ou a ouvir música. Uma vez tomado o gosto, nunca mais deixamos de apreciar cultura.
Outra vez Maria Alice: foi ela quem me apresentou Mercedes Sosa, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, entre muitos outros. Em casa minha irmã - a mesma que hoje é supervisora de ensino - me mostrava tudo o que surgiu de bom no início da década de oitenta no que diz respeito à MPB, fora a sua biblioteca que eu devorei muitas vezes sem que ela soubesse.
Se levarmos em consideração que havia inúmeras possibilidades ao meu redor ali no Jardim São José - bairro muito carente da periferia de Campinas - não tão, digamos... Alvissareiras... Havia o tráfico, havia as drogas, havia o dinheiro fácil do crime... Mas havia também o encantamento de um menino pelos livros, pela música e pelo teatro. Havia uma meia dúzia de pessoas focando minhas vistas em coisas que o crime não podia proporcionar.
Penso muito sobre isso: o universo fantástico que as artes e a cultura podem proporcionar são tão imensamente mais alucinantes do que aquele de determinadas drogas que, se soubessem, muitos adolescentes trocariam de vício... Mas isso me foi apresentado quando eu ainda estava aprendendo a dar opiniões, quando eu era um menino.
E hoje? O que podemos esperar desses meninos e meninas? Tenho medo. Tenho muito medo.
Beijos e até a próxima.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

POEMA EM LINHA RETA

Só para constar: na falta de algo melhor a dizer, vamos ao grande Fernando Pessoa...
"Álvaro de Campos - Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."
P.s.: Tenho levado muitas porradas. E não me envergonho disso...

terça-feira, 21 de abril de 2009

A BELA AMERICANA E A FERA BRITÂNICA

Todos devem ter visto, ouvido ou lido algo a respeito da escocesa Susan Boyle. É aquela senhora que deixou os jurados e o público da versão britânica do concurso para cantores boquiabertos graças à sua voz exuberante. Mas afinal o que há de tão extraordinário nisso? Não era mesmo a voz dos candidatos que deveria ser testada? Em termos...
O que se viu no caso da escocesa é o quanto esses caras do show-business podem ser preconceituosos. O que se julga nunca é apenas o talento. Isso não basta para o mercado. Talento não tem necessariamente nada a ver com sucesso. Para a máquina de moer carne do mercado, talento é uma ínfima parte de uma equação que contém grandes quantidades de juventude, sex-appel, beleza e capacidade de se promover, coisas que, evidentemente a escocesa não possuia.
Tome-se o exemplo do mesmo concurso em sua versão brasileira: o vencedor não foi o mais talentoso - um rapaz chamado Rafael Bernardo, de longe o mais capacitado para a profissão de cantor - mas sim um outro com algum talento mas com muito mais beleza.
A velha máxima do modo de vida americano, no qual a força de vontade e a perseverança são capazes de nos levar ao limite do sucesso, não contém o elemento talento. Não à toa, os americanos do norte são, em sua média, o povo mais medíocre do planeta e, ainda sim, a potência hegemônica. Foram eles que ensinaram a nós todos esta fórmula. Foram eles que nos apresentaram o "loser".
Aquela senhora escocesa é a anomalia do "sistema" segundo o qual um perdedor será sempre um perdedor. Depois de ser ridicularizada pelos jurados e pelos protótipos de vencedores - aquelas belas jovens fazendo caretas ao encarar a feiúra da escocesa dizem tudo - a "loser" deve ser transformada imediatamente em vencedora, eles não podem admitir que a fórmula é falha! Isso seria perigoso demais! Se todos os desdentados descobrirem que podem ter algum talento... Ai que medo! Então "eles" abrem as portas para que um ou outro destes passe pela fresta. Essa comoção será suficiente para que mantenham por mais algum tempo a multidão de fracassados sob controle.
Então, os jurados fazem a catarse e nos esquecemos do quanto eles tripudiaram, humilharam, esculhambaram! Um dos jurados do programa britânico, um tal de Piers, está participando de um programa americano com celebridades. Para quem tiver estômago, dê uma olhada no caráter dele. É de enjoar. É este tipo de gente que faz girar a máquina de moer carne humana que é o show-business.
Enquanto isso, no concurso de miss Estados Unidos, outra polêmica. Só que desta vez trata-se de uma linda americana média e não de uma obscura escocesa. A miss Califórnia ficou em segundo lugar no concurso porque, especula-se, ao responder o que achava do casamento gay, se expressou de forma contrária! Mas o que se esperava da moça? Ela é uma americana média que se inscreve num concurso dos mais conservadores, onde qualquer declaração mais à esquerda é confundida com anti-americanismo! McCarthy pode ressuscitar dependendo do que você disser num concurso destes! Aliás, não foi a Califórnia que decidiu em referendo acabar com o casamento gay? Ela apenas representou a população de seu estado! E ela nem foi tão infeliz quanto a outra miss, que disse ter se divertido muito em Guantánamo! Nem disse que a camisinha não ajuda a conter a disseminação do HIV! Nem disse ser a favor da excomunhão de médicos que fazem um aborto numa criança para poupar-lhe a vida!
Eu vou propor uma troca: os jurados do concurso de miss vão para o concurso de música e vice-versa! Olha só: a miss Califórnia vai ser coroada o mais novo talento da música britânica e a senhora escocesa torna-se a nova miss Estados Unidos! Não é genial?
Beijos e até a próxima.
P.s.: Após escrever este artigo li na Folha de São Paulo de hoje uma coluna de João Pereira Coutinho que vale a pena ser lida. Num estilo e numa linha de raciocínio um pouco diferentes, ele chega às mesmas conclusões que tirei acerca de Susan Boyle. Chama-se "Senhora das Tempestades".

terça-feira, 14 de abril de 2009

OUTONO

Sempre achei as cores do outono as mais bonitas do ano. Infelizmente, entretanto, elas também trazem junto a melancolia. Não sei bem quem primeiro uniu as duas coisas - melancolia e outono. Provavelmente tenha algo a ver com o brilho do sol, que se torna menos intenso, preparando para o inverno que logo chegará. Não é à toa que chamamos de "o inverno de nossas vidas" o momento no qual a morte se avizinha. Há também a questão do ciclo se fechando: a primavera é a infância, o verão a juventude, o outono a maturidade e o inverno a velhice.
Essas conjecturas devem-se ao fato de que estou, de fato, um tanto melancólico. Por nada em especial, por tudo um pouco. A alergia - sempre rediviva no outono - é um tanto incômoda, mas não é motivo para deixar ninguém assim já que não representa nenhum perigo. Exceto quando se tratava daquela mais grave que me atacava os pulmões quando eu era criança e que foi a responsável pela mudança de minha família para o interior... Mas essa é outra história.
A verdade é que quase tudo de ruim, para mim, está relacionado ao outono ou ao inverno. Dia 14 de julho é meu dia oficial de luto, auge do frio - falo sobre isso um dia destes. Santo André, minha cidade natal, era um lugar bastante frio em minha infância e eu quase sempre estava doente lá, motivo pelo qual não tenho boas lembranças deste período. Agora, mesmo que eu tenha bons motivos para estar feliz depois de ter duvidado tanto de que isso seria possível, ainda assim a melancolia me abate.
O certo é que somos todos tão parecidos em nossas vulnerabilidades... Lembro-me de um personagem de Strindberg (dramaturgo sueco morto no início do século XIX, existencialista e expressionista) que passa a vida toda trabalhando para realizar o sonho de ter uma rede para pescar camarões da cor verde e que, quando finalmente consegue realizar tal sonho descobre que o tom de verde não era exatamente o que sonhara.
Que não me entendam mal as pessoas que me amam e a quem amo (Ok, Petit?), mas somos todos muito insatisfeitos! Queremos a felicidade, depois amar, então queremos a imortalidade, o sucesso pleno, ser amados por uma multidão, que a multidão nos deixe em paz, queremos então ficar a sós, toda a companhia do mundo, mais dinheiro, um cachorro ou um gato, um filho ou dois, nenhum animal a quem se apegar, filhos nem pensar, a casa muito limpa, que a diarista se vá o mais rápido possível, escrever como shakespeare, esquecer a influência dos outros e escrever apenas como nós mesmos, ah... Como somos insaciáveis! Muito bem: EU sou insaciável.
Nestes dias de outono, quando as cores das coisas se modificam, tudo se volta contra nós. Agora há pouco um enorme arco-íris se fez aqui na janela entre os prédios da Vila Mariana. Por mais solar que ele fosse, ele era também melancolia. Quando cores tão solares surgem à sua frente no outono elas apenas te lembram o quanto você está distante daquele estado. O claro que evidencia o escuro...
Quero ir à praia. Nada é mais melancólico do que praia no outono. E mais belo. Aliás, a foto que está aí em cima é do Guarujá. Pôr-do-sol combina com outono. Crepúsculo. Agora, repentinamente, tive medo de afugentar meus leitores. Tudo bem. Seria um motivo a mais para me sentir assim. Melancólico.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

CAFONÁLIA PAULISTANA

Fomos assistir a um concerto - minha mulher e eu - na principal sala de São Paulo, convidados por um dos maiores Bancos do país. Era isso ou assistir à final do Big Brother Brasil... Dentro do estacionamento encontramos um grupo de músicos, vestidos à caráter, sem nenhuma vergonha de utilizar o lugar por onde os espectadores entravam como fumódromo. Ok, a lei que restringia o fumo em prédios públicos ainda não fora sancionada e não havia teto nem parede por ali... O programa, que recebemos logo na entrada, era composto por cinco obras, quatro das quais muito conhecidas.
Ficamos fazendo piadas - minha mulher e eu - sobre alguns aspectos deste tipo de evento. Seus figurinos, o perfil de pessoas que o frequentam. Afinal não era exatamente um concerto para apreciadores de música. Era antes um acontecimento social para clientes de um banco com contas correntes rechonchudas. O programa já refletia isso: Polonaise da ópera Eugene Onegin de Tchaikovsky, a abertura da Carmen de Bizet, o prelúdio das Bachianas nº 4 e, vejam bem, a Marcha Nupcial de Mendelssohn. A única verdadeira novidade era O Boi no Telhado de Milhaud que, entretanto, se caracteriza por ser uma obra fortemente influenciada por ritmos e sons brasileiros.
O patrocinador mostra um vídeo com as diversas manifestações culturais patrocinadas por ele, claro. Alguns excelentes artistas, mas todos consagrados e que não precisariam do dinheiro do banco para sobreviver. Tá bom, tem a Mônica Salmaso que é excelente e não é popular...
Entram os músicos, entra o "spalla", finalmente o maestro e... Ele começa o hino nacional! Está bem, estamos na chuva, vamos nos molhar, temos de ouvir os senhores e senhoras desafinando o hino nacional. Ao final dele, a quase totalidade da sala aplaude. Bom, acho que gostaram. O próprio maestro faz uma breve exaltação à beleza do nosso hino, então ok...
Começa o concerto e eu começo a ficar com uma estranha sensação de que estou sendo doutrinado. As músicas parecem escolhidas a dedo para que eu goste. Sim, eu gosto de gostar das coisas, mas EU GOSTO DE MÚSICA! Não preciso ser doutrinado, amansado. Toca aí uma ária de "Lakmè" do Dellibes! Nada... A Carmen é quase irritante de tão batida. Começa o Prelúdio do Villa-Lobos e minha mulher manda: "Presença de Anita"! Não!!! Salvem-me! Não é a música do Villa-Lobos, mas sim da série da Globo!!! Roubaram o nosso amigo Villa!!!
Na Marcha Nupcial - tocada após um raro momento de ineditismo, quando o maestro contou que ela foi feita para celebrar o casamento de uma fada com um burro, RÁRÁRÁRÁ - eu me arrependi de todos os casamentos aos quais compareci. Na platéia um "frisson"... Só não maior do que o sentido quando foi anunciado o bis e, principalmente, ao final dele. O BIS FOI O CAN CAN!!! Incrivelmente inédito!
Vem cá: é concerto das mais pedidas de todos os tempos por quem não gosta de música clássica??? Tá, eu gosto do Lulu Santos e da Ivete Sangalo, mas ninguém vai à uma sala especial de concerto que custou uma fortuna aos cofres públicos vestido feito um pinguin para ouvir a Ivete e o Lulu! A gente bota no máximo um jeans e uma camisetinha bem básica e olhe lá! Nem canta o hino nacional!!! E o concerto é em parque, ao ar livre! EU QUERO O CARNAVAL DA BAHIA!!! PELO MENOS O PATROCÍNIO É DE CERVEJA!!!
Agora convenhamos: a lei de incentivo à cultura deve sim ser mudada! E que não me venham com esse papo de dirigismo cultural! Vai ver se o povo que faz teatro de qualidade aqui em São Paulo tem patrocínio de banco! Nada! Eles trabalham o ano inteiro com 300 mil e olhe lá!
Eu quero decidir o que fazer com os impostos que todos nós pagamos, sim senhor! E não quero me encontrar com os músicos quando estou saindo da sala de concerto! Que falta de educação! Pareciam loucos para ir embora logo. Mas nisso estávamos iguais: pensámos ambos - nós e os músicos - que queríamos nos livrar, e logo, daquela terrível "cafonália paulistana".

terça-feira, 7 de abril de 2009

PROVOCAÇÕES

Como era de se esperar, o resultado da enquete que Universo de Interesse fez acerca do assunto que menos interessa aos seus leitores dentre os que são aqui abordados foi ESPORTES. E porque era de se esperar? Por que o universo pelo qual este "blogueiro" transita é habitado basicamente por artistas, intelectuais e -digamos - "simpatizantes"... E artistas, intelectuais e "simpatizantes" - pelo menos os que povoam o universo deste "blogueiro" - têm uma verdadeira aversão por esportes. Exceto minha irmã e minha mulher. Mas elas não podem fazer parte desta estatística por motivos distintos - a segunda por que ficou emocionada com a inauguração do blog e na hora de votar optou pelos assuntos que mais a interessam, esporte incluído, e a primeira por que não votou na enquete já que todos os assuntos a interessam, segundo me disse.
Afinal, qual é o motivo que nos leva - a nós artistas, intelectuais e "simpatizantes" - a ter tão pouco afeto pelos esportes? Honestamente não consigo compreender, na medida em que, para mim, esportes e artes e/ou literatura são assuntos... Gêmeos. Primos-irmãos. Para não cometer a suprema heresia de dizer que são, essencialmente, a mesma coisa!
E talvez não valha a pena lembrar aqui de momentos absolutamente épicos que corroboram com esta nossa abordagem do tema, mas ok; que tal lembrarmos o título paulista do Corinthians em 1977 após 23 anos de espera, que forjou em definitivo uma característica de sua torcida - a de ser sofredora e ao mesmo tempo fiel, tendo reflexos 31 anos depois na volta do time à primeira divisão do futebol nacional, após uma queda na qual a multidão bradava "aqui tem um bando de louco/louco por ti Corinthians/e aquele que acha que é pouco/morro por ti Corinthians/eu canto até ficar rouco/canto prá te apoiar/ vamos, vamos meu timão, vamos meu timão/ não pára de lutar"; a seleção brasileira de 1982, pura poesia, pura amargura na derrota diante de uma Itália que na definição de Pier Paolo Pasolini não passaria de uma prosa de esquina, seleção que tinha - além de diversos craques inesquecíveis - um cidadão chamado Sócrates, mais conhecido como Magrão, líder da "democracia corinthiana", uma ilha de ética no fim da ditadura militar, que já tomava sua cerveja - Sócrates, não a ditadura - muito antes do politicamente correto nos tomar de assalto; as lágrimas de Roger Federer após a derrota para Rafael Nadal no Aberto da Austrália de Tênis, com aquele gosto de "deja vu", de que a delicadeza não vai vencer jamais, de que o jeito americano e protestante de ver o mundo vai nos tomar de tal forma que a próxima grande guerra será a de dois fundamentalismos - o ocidental contra o oriental; e há alguns momentos de Ayrton Senna, De Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi, de William, Maurício e Ricardinho, dos negros americanos de punhos erguidos nas Olimpíadas pelo orgulho da raça, de Telê Santana no São Paulo bi-campeão do mundo, do Inter de Falcão...
Mas parece que a arte se divorciou do esporte! A Grécia fazia odes aos seus esportistas enquanto nós temos uma tendência ao escárnio! E de nada adianta citar Nelson Rodrigues: a maioria de nós sabe de cor trechos de "Vestido de Noiva", "Álbum de Família", "Senhora dos Afogados", "Valsa nº 6" e tantas outras, mas quase ninguém conhece o Nelson cronista esportivo. Todos adoramos os existencialistas franceses, mas não entendemos o que há de sartriano na frase "o Fla-Flu nasceu 45 minutos antes do nada". Jamais entenderemos que "qualquer pelada de esquina tem a complexidade de uma tragédia shakespeariana".
No nosso século o único cronista que restou desta estirpe é Armando Nogueira. Ainda que, eventualmente, a academia se junte às esquinas, como é o caso de "Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil", de José Miguel Wisnik (Companhia das Letras, 2008), isso se dá como exceção que comprova a regra: esporte não dá boa literatura.
Não dá mesmo? Será que as partidas de futebol que joguei nos terrenos baldios do Jardim São José, na periferia de Campinas, dividindo espaço com os traficantes e com a malandragem de alta e baixa estirpe não interessam a mais ninguém? As crônicas acerca dos corpos que jaziam em frente à padaria do "Seu" Machado quando madrugávamos para a primeira pelada do dia só fazem sentido para mim?
Entender que eu começava a ascender sócio-economicamente quando minha mãe passou a ser faxineira da fábrica de bolas que se instalara no bairro e me presenteou com bolas de futebol, vôley e basquete, e perceber meu caráter se formando quando eu deixava a bola com os meninos da rua quando minha mãe me chamava para tomar banho no fim da tarde, só emociona a mim mesmo?
Um texto que escrevi há cinco anos e que, como o nome sugere - "Comecei a Morrer" - não é nem um pouco leve, tem um longo capítulo dedicado à uma partida de vôley que, além de ser minha primeira crônica esportiva, é uma amostra definitiva de que o esporte sempre foi, para mim, um delicado alicerce para a construção de afetos. É isso: quando eu amei pela primeira vez, foi através do esporte que soube. Não se pode esquecer de algo assim, não é?

Então, afinal: o que temos contra os esportes?



Beijos e até a próxima.

terça-feira, 31 de março de 2009

CASAMENTOS E SEPARAÇÕES

Fui solteiro até os 35 anos. Já achava que casamento não era para mim, que meu destino era mesmo ser um solteirão repleto de manias, daqueles que fazem tudo sempre do mesmo jeito, não suportam mudar a rotina em um centímetro, têm pouca paciência para as manias dos outros, enfim, um chato feliz. Ou nem tanto.
A verdade é que, depois de casado, descobri que sou um cara repleto de manias, faço tudo sempre do mesmo jeito, não suporto mudar a rotina em um centímetro, tenho pouca paciência para as manias dos outros, enfim, um chato feliz que encontrou alguém que suporta todas essas esquisitices, muito provavelmente porque é também ela uma esquisita daquelas. Costumamos dizer que nascemos velhos e que somos, ambos, muito, MUITO chatos. Além de exigentes, perfeccionistas, intolerantes com burrice, com incompetência, com gente preconceituosa... Não! Nem pense que somos dois misantropos! Também adoramos ver amigos, recebê-los eventualmente em casa, visitar pais, irmãos, sobrinhos, etc. Mas sabemos que, logo depois, poderemos voltar para nossa vidinha sem graça e cheia de regras, a mesma vidinha que nos dá tanta segurança e, ao mesmo, tempo liberdade.
É claro que somos dois previlegiados. Não são muitos os casais que podem desfrutar desta tranquilidade, a de ter as mesmas caretices, as mesmas manias, manias diferentes sempre compreendidas pelo companheiro, diferenças aparentemente inconciliáveis (como um ser ateu e o outro espírita, um ser bem liberal e o outro ser muito conservador) que nada interferem no cotidiano. E claro, também, que ambos sofremos bastante por amor antes de nos encontrarmos - quem não sofreu afinal?
Mas na altura em que nos encontramos já achávamos que não seríamos felizes, que éramos duas criaturas marcadas com um sinal da besta na testa que nos reservava apenas o direito de passar o resto dos dias lamentando. Ou que, pelo menos, teríamos que aprender com nossa própria solidão. Então surgimos um para o outro...
A grande vantagem de encontrar um amor na maturidade é que não temos mais a pretensão de que tudo deve seguir o enredo de um romance romântico, de um sentimento arrebatador e que cega. Não que não tenhamos direito a palpitações, a beijos quentes, a cartas de amor, à saudade eventual, à vontade de amor eterno. Agora, entretanto, também temos direito a reconhecer no outro o que há de diferente, de humano. Na visão do amante maduro não ficam ofuscadas as perebas, as ramelas, os chulés e outros quetais que, na canção de Chico Buarque "só a bailarina que não tem". É possível reconhecer no outro apenas alguém falível por quem se nutre um imenso amor, este sim invulnerável posto que será eterno. É facil saber que estamos entrando numa aventura que pretendemos que seja para o resto de nossas vidas, mas, se algo ocorrer durante o período em que estivermos percorrendo este caminho, ainda assim teremos entrado numa relação para sempre - apenas algo não deu certo, só isso...
Mesmo assim minha mulher vive sofrendo - e atentem para esse detalhe curioso - com as notícias de separação que lê em revistas que ela encontra quando vai à manicura. "Caras", "Contigo", "Quem", que me perdoem os periódicos dos quais me esqueci... Algumas vezes ela sabe da separação de pessoas bem próximas a nós primeiro pelas revistas! Parece meio lógico: seu amigo se separa daquela figura que você conheceu na última festa e não vai te ligar para contar "Oi, estou te ligando para avisar que me separei da fulana". Como alguns de nós são figuras públicas, a notícia vem pela revista.
Nestes casos ela sempre chega em casa arrasada. Separações sempre a deixam infeliz. É como se, separando-se alguém, isso a lembrasse de que também nós podemos nos separar. E sim, podemos nos separar, qualquer um pode. Mas isso não significa que devemos! Ou que devamos graças ao fato de que alguém se separou!
Impossível. Ela sempre se sente um pouco cúmplice. Como eu me sinto quando alguém que admiro morre, como se um pouco de mim morresse também. Nestas horas - quando a coisa gruda a ponto de doer - a melhor coisa a se fazer é fechar a "Caras", ora! Ou pular a página com o obituário, em meu caso!
Mas, afinal, por que as pessoas se separam? O amor termina? O sexo já não é tão bom? Divergências inconciliáveis? Seriam estes motivos fortes o suficiente para uma separação? Senão vejamos...
Não acredito que um sentimento como o amor possa chegar ao fim a não ser por um motivo grave. E quando digo grave quero dizer muito grave mesmo. Agressão, por exemplo. Não há amor que resista à violência. Traição? Também. Se há um pacto segundo o qual a relação deve ser monogâmica, esse pode ser um fator determinante. Mesmo assim pode haver o perdão, dependendo das circunstâncias. Não consigo ver motivos - afora esses e alguns outros poucos muito graves - que seriam capazes de destruir um amor...
Ok, você ama, mas o sexo já não é bom... Ora, há tantas formas de se renegociar isso! Solicitar, pedir outras formas de prazer! E há os sex-shops da vida com seus inúmeros utensílios capazes de esquentar uma vida sexual morna. Isso sem contar com aqueles que gostam de "swing" e outras formas de apimentar a relação - sempre contando com a cumplicidade do parceiro, obviamente.
E quanto às divergências inconciliáveis? Religião? Não é algo tão difícil. Descartemos fundamentalismos, é claro. Nada é mais insuportável do que alguém querendo te converter o tempo todo. Diferenças, no entanto, são aceitas. E viva a convivência na contradição. Mas motivo para separação? Tenha dó...
Será que eu fiquei careta antes do tempo? Ou me transformei num romântico de outra estirpe?
E você? O que faria você se separar?

Beijos e vote na enquete lá embaixo.