quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MINHAS MULHERES

A contradição fundamental, em minha vida, é que tenho pouca tolerância com os homens – de maneira geral – e tenho com as mulheres meus melhores momentos sempre.

Isso não significa – nem nunca significou – que eu tenha me tornado um grande “performer” sexual, tampouco que eu não seja um homem absolutamente atípico na medida em que sou muito mais “mulherzinha” do que a maioria de meus amigos. Que a maioria das minhas amigas... Sou “bichinha” mesmo.

Eu não sou sedutor também, que fique claro. Isso não é discurso para atrair mulheres. Primeiro porque elas não quereriam. Segundo porque já tenho a minha e estou muito feliz com ela.

Digo isso tudo porque tenho tido vontade de falar sobre as mulheres de minha vida. Sempre esperando que não seja injusto com as outras, minha lista inclui Lelet, Kau, Léo e Juliana. Cada uma delas me inspira de alguma forma. Hoje vou falar sobre a Lelet.

Tudo o que sei e penso sobre a vida passa por minha irmã mais velha. Lembro-me de caminhar pelas ruas esburacadas da periferia de Santo André quando acompanhava Lelet em direção ao seu ensaio de teatro.

Eram tempos bicudos, ditadura militar – 77, 78 talvez – eu criança, ela adolescente. No ensaio, meio “Hair”, ela era o “povo” em volta de quem as forças opressoras eram, paulatinamente destruídas. Ela nunca deixou de lutar contra estas “forças opressoras”. Claro, de outra forma. Hoje supervisora de ensino, ainda me surpreende sua saúde para entender e pensar o país mesmo depois de inúmeras frustrações.

Depois, menino, foi quem mais me incentivou a estudar. Era uma presença sempre delicada, positiva, sempre me tratou como criança quando sabia que era necessário e como ser pensante quando devia.

Lembro-me de perguntar a ela, quando tinha 14 anos, o que ela achava de deus. Qualquer pessoa menos preparada tergiversaria. Não ela. Disse-me com todas as letras que não acreditava no deus cristão. Foi o suficiente para que minha convicção a este respeito se consolidasse. Eu era ateu aos 14 anos.

Nunca se espantou com minha sexualidade ambígua, mas honesta. Forjou minha admiração pelo feminino. Sua força nunca me oprimiu. Gosto de me olhar no espelho e ver minha irmã.

Lelet me ajudou a me tornar um homem que ama, admira, respeita e reafirma a força do feminino. Não pretendo me subestimar e correndo o risco de cair num clichê, com mulheres assim fica bem difícil não pensar que a grande sabedoria está com elas...










HISTÓRIAS DE GENTE E DE BICHOS


Espero vocês nos dias 07 e 14 de novembro e 05 e 12 de dezembro.
SESC Santana. Cliquem na imagem acima para saber mais...
Beijos!

domingo, 31 de outubro de 2010

DILMA ELEITA

Honestamente eu gostaria de ter visto um processo eleitoral menos obscurantista. Menos idade média. Menos religião metendo o bedelho em estado laico.

Gostaria de viver em um país no qual as mulheres fossem levadas a sério, minimamente. Dentre todas as mulheres que conheci, que fizeram aborto, nenhuma saiu desta experiência feliz. Todas as vezes era tomar aquele medicamento que todos conhecemos e esperar sangrar. Depois a internação e a curetagem. A decepção com elas mesmas e/ou com seus "companheiros". Ninguém sai desta experiência melhor, convenhamos. Mas não era essa a discussão. A questão era de saúde, não era?

Gostaria que a questão da diminuição da pobreza tivesse sido levada a sério. Que os pretos e pobres do país pudessem, além de receber algum dinheiro como forma de tirá-los da pobreza extrema, começar a pensar em ir para a escola, em fazer da educação sua plataforma de ascenção social. Que os professores não fossem tratados como bandidos. Que estas questões tivessem aparecido na disputa eleitoral.

Gostaria que os homossexuais começassem a ser tratados como cidadãos. Que pudessem, ao perderem seus companheiros e companheiras, ter os mesmos direitos que um casal heterossexual. Que tivessem estes mesmos direitos em vida. Isso também é questão de política, não de religião.

Gostaria que pretos, pobres e mulheres fossem a prioridade visto que são, de longe, os grupos historicamente mais injustiçados no país e no mundo.  E que homossexuais e bissexuais fossem respeitados tanto quanto católicos, protestantes, judeus, umbandistas, e perdoem-me se misturo religião com orientação sexual, mas algumas crenças quiseram acabar com  outras ao longo da história - muitas vezes com assassinatos em massa, lembremos - como agora muitas destas religiões querem tratar a orientação sexual como questão de certo e errado.

Feitas as ressalvas, cabe uma comemoração. Pela primeira vez uma mulher foi eleita para o cargo político mais importante do país. Uma justiça às milhões de mulheres que pautaram suas vidas por lutar por um país mais justo - como fez minha irmã Clarete Paranhos (e me regozijo com sua alegria pela eleição de Dilma, assim como me compadeço com as inúmeras frustações que ela acumula em seus anos de luta).

Pelo afeto e respeito que tenho por minha irmã e pelas mulheres de minha vida - também por serem mulheres, mas principalmente pelo cidadão no qual me tornei graças a elas - que Dilma seja o melhor para o país. Como Lula foi.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

RESPOSTA DE UMA AMIGA...

Renata Laurentino disse...

Saindo do armário aqui também...

1) Acredito em todas as Deusas e Deuses criados pelo homem.
2) Não sei exatamente o que significa DIREITA E ESQUERDA hoje em dia. Tenho a sensação que já nasci na esquerda!
3) Sou a favor da descriminalização do aborto;
4) Sou a favor da descriminalização da maconha, contanto que consumida em lugares privados;
5) Sou a favor da proibição do cigarro em lugares públicos;
6) Sou a favor da união civil e do casamento de homossexuais;
7) Sou contra qualquer tipo de preconceito racial, social e intelectual;
8) Sou a favor da criminalização de qualquer manifestação contra judeus, muçulmanos, ciganos, homossexuais, mulheres e negros (e certamente estou esquecendo de alguns grupos..);
9) Sou a favor da mudança da Lei Rouanet;
10) Sou artista
11) Fui pobre, muito pobre.
12)Gosto de seres humanos, homens e mulheres.
13) Sou a favor de plano para repensarmos as políticas culturais e educacionais deste país.
13)Sou a favor de um olhar mais profundo para a a questão de adoção das crianças , que lotam os orfanatos em todo o país.

domingo, 17 de outubro de 2010

SAINDO DO ARMÁRIO

1) Sou ateu;
2) Sou de esquerda;
3) Sou a favor da descriminalização do aborto;
4) Sou a favor da descriminalização da maconha, contanto que consumida em lugares privados;
5) Sou a favor da proibição do cigarro em lugares públicos;
6) Sou a favor da união civil e do casamento de homossexuais;
7) Sou contra qualquer tipo de preconceito racial;
8) Sou a favor da criminalização de qualquer manifestação contra judeus, muçulmanos, ciganos, homossexuais, mulheres e negros (e certamente estou esquecendo de alguns grupos..);
9) Sou a favor da mudança da Lei Rouanet;
10) Sou artista e intelectual;
11) Fui pobre, muito pobre.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"NENHUMA ESPERANÇA, NENHUM MEDO"*

Em tempos de eleições fico estranho. Leio os jornais, folheio as revistas, assisto aos programas de notícias e, estranhamente, a coisa mais interessante que vejo é a reapresentação de "Vale Tudo".

Tem música do Cazuza, dois anos antes de sua morte, tem a Gal ainda cantando, mas sempre berrando, tem a Lídia Brondi antes da síndrome do pânico e tem o mesmo país, sem ética, sem sonhos, sem cores.

Em tempos de eleição as pessoas me mandam mensagens que me fazem crer que sou de direita. Logo depois as pessoas me mandam mensagens que me fazem crer que sou do século passado, tão esquerdista e ultrapassado.

É, acho que sou isso tudo. Só não queria mesmo era ser isso, essa coisa "Beckettiana" que não fede nem cheira. Estou "pastel" em minha desesperança com o país.

Ps.: O título do post é uma frase de Samuel Beckett

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

WORKSHOP

Amigos:

Darei este curso aí ao lado em novembro.
Agradeceria se vocês divulgassem para seus contatos.

Obrigado.


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PT: 30 ANOS

Um trecho de meu último artigo (sobre a "ameaça" de permanência do PT no governo federal) provocou alguma controvérsia. Talvez a coisa venha do fato de que a ironia que tentei construir unindo Cazuza ao PT não tenha ficado clara. Pois explicitemo-la.

Aquele foi um dos mais radicais-rebeldes-artistas do século passado e importante personagem para a viabilização de uma contundente militância gay no país, ao assumir sua homossexualidade e sua condição de doente de AIDS num momento em que ninguém ousava fazê-lo.

Este foi uma radical promessa progressista, um verdadeiro renascimento da esquerda nacional, ainda sob a ditadura militar e num país no qual a participação de trabalhadores na política era próxima de zero desde sempre.

Cazuza morreu em 1990, sem que seu legado estivesse claro. O PT deixou de ser promessa graças à sua ascensão ao poder, deixou de ser radical após a queda das utopias comunistas e de diversas derrotas eleitorais, deixou de ser um partido de trabalhadores na acepção plena da palavra e deixou de ser progressista depois que se tornou situação.

Mas em 90 o PT era mesmo uma ameaça. Os banqueiros tinham medo de uma possível vitória eleitoral do partido dos trabalhadores, a elite tinha medo, a Rede Globo tinha medo, dizem que até os americanos tinham medo. A Regina Duarte, muitos anos depois, ainda tinha medo.

Hoje, o PT não significa ameaça alguma. Não significa ameaça real de profunda distribuição de renda, não é ameaça de reforma agrária, não é ameaça de uma bem-vinda tributação de grandes fortunas. Deixou de lado o discurso acerca do “default” no pagamento da dívida externa e nem pensa em diminuir o “superávit” primário. Não defende seriamente a descriminalização do aborto - bandeira histórica do movimento feminista ao qual o partido esteve historicamente ligado.

O PT não ameaça o status-quo na medida em que não trabalha efetivamente em prol do casamento e de outros direitos inalienáveis da minoria homossexual. Não trabalha com o afinco digno de um partido de esquerda pelo acesso universal à saúde, à cultura e à educação, pelo voto facultativo, pelo alistamento militar voluntário e não obrigatório, pela reforma eleitoral e tributária, pela transformação radical da lei Rouanet para que ela garanta a nós artistas (e não apenas a artistas consagrados) acesso a meios de produção cultural minimamente democráticos.

Deixou de ser comunista, abandonou o socialismo, flerta com um arremedo de social-democracia. O PT não é ameaça nenhuma. Transformou-se em um partido como todos os outros.

Isso não significa que eu não veja um país melhor nos últimos oito anos de governo petista. Pela primeira vez o executivo voltou seus olhos para a população de baixa renda que nunca teria condições de "aprender a pescar sozinha", como dizem alguns. Ora, em determinados graus de pobreza só se pensa em comer, não me venham com esse papo de assistencialismo, da mesma forma que não engulo esse papo de dirigismo cultural. Vejam a cidade de São Paulo e sua Lei de Fomento ao Teatro. Só se faz teatro com a qualidade que temos aqui graças a um certo assistencialismo, e ainda bem que temos esta lei!

Há opções melhores que o PT? Minha resposta é não. José Serra paga o preço da soberba aristocrática típica do PSDB e de sua – de Serra - falta de coragem de tentar se posicionar ao menos um pouco à esquerda do que o governo Lula e o de FHC se mantiveram, o que, convenhamos, não seria difícil.

Marina Silva, apesar de muitas boas intenções, é uma senhora evangélica que não admite os direitos mais elementares dos homossexuais e das mulheres. Como me contentar com um discurso que privilegia o meio ambiente?

Serra é do partido que se alinhou ao DEM, antigo PFL (no tempo de FHC). Dilma herdou de Lula o partido outrora mais progressista do país, agora amigo íntimo do PMDB, só para citar uma das sanguessugas que formam a coalizão governista. Marina entrou para o PV e deve deixar Gabeira corado de vergonha, bem ele que já lá na década de 70 defendia direitos civis dos homossexuais. Só falta chamar o Papa para um evento público de queima de camisinhas, ora poupem-me.

Sim, estou mais careta. Dormir de meia, entretanto, não causa mal nenhum a não ser a mim mesmo (e à minha mulher, se ela detestar este hábito). Talvez não tenha fôlego para fazer política. Acontece que não sou nem nunca fui político. Sou um homem das artes e, como tal, continuo pensando em como fazer uso delas para transformar as coisas ao meu redor, em como trazer um pouco de rebeldia à minha própria caretice.

Quanto aos políticos, principalmente aos que me prometeram um Brasil mais alinhado com um mundo progressista, estes não estão mais caretas. Estão cada vez mais indecentes e mais cínicos.

E convenhamos, o que é mais imoral: ter uma orientação sexual diferente da maioria, querer ter direito ao aborto legal ou isto aí em cima?

Com a palavra, vocês...

P.s.: Caso Dilma Roussef realmente vença a eleição, ficarei muito feliz por ver uma mulher Presidente da República. Da mesma forma espero que em pouco tempo possam jogar em minha cara o fato dela ter, finalmente, realizado projetos alinhados à plataforma de esquerda que fizeram do PT a minha esperança. Prefiro ser chamado de ignorante político a admitir que meu pessimismo transformou-se em realidade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

20 ANOS SEM CAZUZA

"Se você quer saber como eu me sinto/
vá a um laboratório ou a um labirinto/
seja atropelado por este trem da morte/
vá ver as cobaias de deus/ andando na rua, pedindo perdão/
vá a uma igreja qualquer pois lá se desfazem em sermão..."

Música da última safra, quando seu corpo e sua voz já estavam se esvaindo, Cobaias de Deus foi uma parceria com Angela Rô Rô. Repleta de imagens desesperadoras e desesperadas, era uma despedida que dialogava com o lado "blue" de Cazuza.

"Eu não sei o que meu corpo abriga
nestas noites quentes de verão
e nem me importa que mil raios partam
qualquer sentido vago de razão
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te cantar vou te gritar
te rebocar do bar"

Aquela visão amplamente aceita segundo a qual Cazuza era só mais um garoto mimado da zona sul carioca nunca me convenceu. Havia sim o lado "exagerado", mas era a faceta que maquiava a alma atormentada, complexa, desfocada, para o bem e para o mal. Ninguém adota aquela persona displicente à toa.

O cara não devia gostar muito do que via no espelho (tempos depois Renato Russo escreveu que "nos deram espelhos e vimos um mundo doente"). Depois de ver a ditadura militar chegar ao fim e de passar toda a década de 70 fazendo amor como nunca se fizera, repentinamente as pessoas começavam a morrer de uma doença estranha que aniquilava, preferencialmente, aqueles que faziam apologia do amor livre. Parecia uma maldição, um castigo!

Não sei se coincidentemente ou não, os poucos que sobreviveram se viram obrigados a "encaretar". Ok, há a idade, não se pode viver uma vida toda de excessos. Afora as drogas e o álcool e a vida desregrada, não haveria um lugar para os rebeldes mesmo no mundo adulto?

Vejam a Ângela Rô Rô, parceira de Cazuza em "Cobaias de Deus". "Encaretou"? Parece. Andou escrevendo:

“É o que pulsa o meu sangue quente
É o que faz meu animal ser gente
É meu compasso mais civilizado e controlado
Estou deixando o ar me respirar
Bebendo água prá lubrificar
Mirando a mente em algo producente
Meu alvo é a paz!”

A diferença para os idos de oitenta é imensa! Controlar o animal, beber água, mirar a mente em coisas producentes, quanta civilização! Já antes:


“Amor, meu grande amor
Só dure o tempo que mereça
E quando me quiser
Que seja de qualquer maneira...”


Ou para citar Milton Nascimento e Caetano Veloso, outros que “encaretaram”:


“Eles se amam de qualquer maneira a vera
Eles se amam é pra vida inteira a vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
qualquer maneira de amor vale amar”


Eu, de minha parte, "encaretei". E não sei se isso é bom ou ruim. O que sei é que tenho o perfil do "tiozinho", educador, artista comportado, "mainstream"... Até casei! Durmo de meia!


E Cazuza, como estaria agora, quando o PT vai fazer oito anos de governo com sérias ameaças de permanecer mais quatro, ao menos. Ele cuspiria na bandeira como fez no "Rock'n'Rio"? O que ele diria da Igreja Católica ser contra o uso da camisinha, contra o aborto e a união civil e a adoção por casais homossexuais?


Saudades de um pouco de rebeldia...


E você? Tem visto alguma rebeldia legal por aí?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

FUTEBOL E O CASO BRUNO

Muita gente acha estranha minha paixão por esportes, futebol em primeiro lugar. Talvez eu nunca tenha tentado esclarecer isso.

Futebol, além de metáfora da vida, reflete muito bem a alma de um povo. É um esporte democrático, na medida em que ricos e pobres têm acesso a ele, sem discriminação.

Como não é tênis, esporte que EXIGE determinadas condutas, EXIGE cavalheirismo, EXIGE boa educação, foram incorporadas ao jogo certa dose de malandragem, violência, machismo, cafajestagem, que muitos de nós acabam achando normal.

Não. Não é normal. Futebol DEVERIA ser como o tênis. Faltas deveriam ser coibidas, senão PROIBIDAS. Malandragem não deveria fazer parte do jogo.

Acontece que a maioria de nós tem vergonha da educação, da boa índole, do cavalheirismo. E futebol é coisa de pobre mesmo, então tudo bem ser grosseiro.

Não. NÃO É BOM SER GROSSEIRO. Deveríamos ter um código de conduta rígido. Estamos nos acostumando com FALTAS NECESSÁRIAS. O que é isso? Desde quando temos de concordar com isso?

No jogo e na vida FALTAS SÃO FALTAS. Não podemos abrir exceção, é um perigo terrível! Primeiro concordamos que determinadas faltas são necessárias e depois acabaremos por achar que determinados assassinatos também são. Não. O que é bom é bom e o que é ruim é ruim.

Como pobres podem praticar futebol - para jogar tênis em São Paulo é preciso pagar uma FORTUNA, três bolas de tênis aqui perto de casa custam 15 REAIS - nos acostumamos a tolerar truculência, violência, malandragem, picaretagem...

Estou farto. Eu AMO futebol. Mas estou farto. Ouvir o goleiro do mais popular clube do Brasil dizer aqueles absurdos, imaginar que talvez ele tenha feito o que fez...

Precisamos de futebol, precisamos de arte, precisamos de cultura, MAS PRECISAMOS, ACIMA DE TUDO, DE EDUCAÇÃO!

Vou continuar a gostar de futebol. Agora, no entanto, estou envergonhado. Precisamos repensar o país, precisamos repensar o futebol, precisamos repensar nossas pequenas atitudes que colaboram para que pessoas despreparadas, semi-analfabetas, sem nenhuma perspectiva exceto virar celebridade ou jogador de futebol, façam o que espero que esse rapaz, goleiro do Flamengo, não tenha feito.

E que se faça valer, de verdade, a Lei Maria da Penha.

P.s.: Estou tão indignado com esta história que não consigo falar sobre a morte de Ezequiel Neves exatamente 20 anos após a morte de Cazuza. Falo disso depois.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

CÂMERA DA LOUCURA



Toda vez que vou à Campinas volto estranho. Mexido. Prefiro sempre sair da estrada e ir direto à casa de minha mãe, sair de lá direto para a estrada, de volta à minha vida, distante de uma série de memórias, quase sempre doídas.

Desta vez, Juliana e eu ficamos no hotel Vila Rica, algo impensável em minha infância e adolescência. Fomos ao parque Taquaral para andar de pedalinho. Não conseguimos. Ao invés disso, os fantasmas me assaltaram.

Aquelas árvores escondem muitas dores, amores frustrados, perdas. Campinas não rima com felicidade.

Segunda feira de ressaca, vontade de ficar em meu canto.

Então fui ver Câmera da Loucura, documentário de Bia Trevisan e Stephany Simoni – Bia filmou e fotografou meu espetáculo no SESC Interlagos há duas semanas e eu estava, há dias, prometendo que veria seu trabalho de TCC, que foi supervisionado pela Professora Doutora Clarete Paranhos, minha irmã.

Menina especial essa Bia. Romântica de dar medo! Lembrei-me de mim em sua idade. Gente assim, veias abertas, portas abertas, estão sempre à volta com dores. Dores suas, dores do mundo, um frio na barriga constante...

É o que se vê em Câmera da Loucura. Um olhar afetivo, gentil, aconchegante sobre a loucura. Assim mesmo, loucura, sem meias palavras, os próprios pacientes se denominam loucos, eles talvez menos do que o resto de nós, sempre buscando uma normalidade inócua, inoperante, pobres que somos, querendo sempre controlar tudo, o tempo inclusive.

Nestas horas lembro-me dos motivos que me tornaram artista. A arte é transgressora e é, acima de tudo, transformadora. Não importa se conseguimos chegar a poucos ou a milhões. O olho do artista é, de algum modo, o olho do louco. É a íris que refaz, revê, transforma. Seja a dos olhos ou a íris da câmera. Como a íris da Câmera da Loucura. Como a loucura da menina Bia que é tudo, menos normal. E isto não é uma crítica...

P.s.: Para ver o documentário digite Câmera da Loucura no youtube. Ele está dividido em duas partes.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

MINHA COPA DE 2006



Em abril de 2005 fomos a Santa Cruz do Rio Pardo, terra de Beto e Umberto Magnani, descer o rio de bóia depois de fazer algumas apresentações do espetáculo pelo interior. Não me lembro mais a que cidades fomos. Talvez meu amigo Paulo Faria saiba. Foi meu último espetáculo com a companhia Pessoal do Faroeste .

É uma experiência impar: o rio calmo, o verde deslumbrante, os pássaros e as cores ao longo de três horas sobre grandes bóias.

Entretanto, naquele ano, o rio deu alguns recados. Sílvia Borges – que sempre se recusara a fazer o passeio por medo das águas turvas e que naquele ano decidiu superar seus receios – caiu no rio logo no começo da descida, sendo salva logo em seguida, o que não diminuiu seu trauma. Era só o começo.

Como éramos muito jovens e muito empolgados, sempre começávamos a descida no meio da tarde, algo inadequado a alguém que, como eu, sente frio rapidamente quando o sol se põe.

Naquela tarde tudo de errado parecia acontecer. Antes da queda da Sílvia uma das bóias extras rompera-se. Mau sinal. Eu, o mais leve de todos, me propus a fazer a descida numa bóia menor – não a de caminhão, como as outras – de forma a não comprometer a descida de nenhum de nós. Descíamos, então, sem nenhuma bóia extra.

Com o passar do tempo e com o frio aumentando, comecei a beber meu cantil de conhaque como forma de tentar me aquecer. O sol se pôs. Ó frio aumentava. A bóia pequena me obrigava a fazer um grande esforço para não bater as costas nas pedras quando passávamos pelas corredeiras. Hipotermia. Não havia mais luz. Eu ficara só. Perdi a consciência...

Quando acordei era noite e eu estava em algum lugar no meio do rio, nada e ninguém ao meu lado. Com as mãos remei até a margem do rio e me agarrei aos arbustos. Era difícil pensar. A bóia rompeu-se em contato com as raízes das árvores. Safei-me do rio. Um breu imenso. Sentei-me e chorei.

Não sei quanto tempo se passou até que ouvi vozes. Três pescadores. Um deles despiu-se para me aquecer. Andamos pela mata até chegar a uma estrada. Consegui dizer o nome do hotel onde estava. No meio do caminho Stella Marini, nossa produtora, surgiu em seu carro. Mais choro. Dormi.

Eu sobrevivera ao rio, à hipotermia, à minha irresponsabilidade. Era um milagre não ter me afogado. Foi a última vez que estive tão perto da morte.

Em julho conheci Juliana. Em outubro fizemos nossa primeira viagem. Em 16 de novembro começamos a namorar. Em 30 de dezembro quebrei o úmero. Em abril de 2006 rompemos – por 20 dias. Em 30 de maio fiz a cirurgia de retirada dos pinos do braço. No meu aniversário de 36 anos fomos ao zoológico.

Nosso primeiro jogo juntos – segundo minha lembrança – foi a partida contra o Japão. Vimos no telão da loja de conveniência do posto que ficava ao lado de minha casa na Pompéia. Eu dera aulas à tarde e daria aulas à noite. Tomei duas smirnoff-ice. O Brasil tomou o primeiro, mas fez quatro na melhor partida do Brasil naquele mundial.

Depois, o Brasil bateu Gana nas oitavas e pegou a França nas quartas, naquele jogo medíocre no qual tomamos o gol de cabeça enquanto o Roberto Carlos ajeitava a meia.

Eu chorei após a derrota, confesso. Mas só Juliana viu. Dormi no sofá depois do jogo. Sim, estava meio “borracho”...

Lembrei-me de Gol Anulado de João Bosco e Aldir Blanc:

Daquele gol até hoje meu rádio está desligado
Como se irradiasse o silêncio do amor terminado
Eu aprendi que a alegria de quem está apaixonado
É como a falsa euforia de um gol anulado

Em meu caso:

Daquele gol até hoje tudo em mim está remediado
Como se ele aplacasse todo o sofrer do passado
Eu aprendi que a alegria de quem é apaixonado
É como a tranqüilidade de quem tem um amor ao seu lado

Brega, né? É. Mas sou feliz.
Será que isso será a tônica de minha história das Copas daqui por diante? O fato de ser feliz finalmente, depois de pensar que eu fora talhado para a tristeza perene, fará com que minhas histórias sejam menos interessantes? As histórias anteriores eram mais profundas? Ser feliz é um desserviço a um artista? Confesso que tenho dúvidas. Mas vou tentar responder a isso nas copas que se seguirem...




A Cia Pessoal do Faroeste está em cartaz com a “Trilogia Degenerada”. Informações e reservas: 11-3362-8883.

domingo, 13 de junho de 2010

MINHA COPA DE 2002


Quando se está no fundo, submerso, é possível ver coisas contraditórias: o azul de tudo ao redor, as cores de todas as criaturas, cavalos marinhos em sua delicadeza estúpida! Acima, uma luz que pode ser a do fim do túnel ou a que nos apresenta o outro lado, o pos mortem – segundo crêem alguns.

Era neste mundo que vivia desde 2000. Emergir era um trabalho lento, dispendioso, confuso, delicado.

Na solidão da casa da Pompéia – que eu mesmo pintei, parede por parede, canto por canto – eu podia ver todos esses seres que povoam a vida de quem tenta encontrar motivos para continuar a dar braçadas, apesar de sentir-se numa espécie de útero, que é o mesmo que “não-vida”, já que anterior a tudo, que é o mesmo que posterior a tudo, que é uma espécie de morte, ainda que mais confortável.

Em meu calendário particular o quarto ano não levava à realização da próxima copa, eu estava, digamos assim, acompanhando o calendário olímpico: o ciclo se iniciara na olimpíada de 2000, em Sidney, quando eu me encontrava só, triste, etc. e chegaria à de Atenas em 2004, época em que eu voltaria e ver o mundo sobre meu mundo particular.

Minha copa de 2002 restringe-se ao jogo contra a Inglaterra, que assisti na casa de Daniel Alvim e Talita de Castro, junto com o Pessoal do Faroeste e à final, contra a Alemanha, que vi em minha casa, outra vez só.

Acontece que dei vexame nas quartas, após o gol da Inglaterra. Comecei a chorar logo, bobo que sou! O gol do Rivaldo com passe do Ronaldinho e o gol de falta deste último aliviaram minha barra, mas eu já havia me exposto, ferida aberta.

Ainda que eu não estivesse particularmente indisposto com o mundo eu choraria, sabia disso. As emoções estavam se confundindo e eu mostrava-me como um fraco do estômago, um despreparado para a vida.

Então decidi: veria a final só. Não iria dar ao mundo a possibilidade de me ver outra vez fratura exposta caso o pior acontecesse contra a Alemanha. Deitado em minha cama no segundo andar da casa da Pompéia, via aquele tubo emissor de luzes, muito parecido com aquele outro que ficava no alto da sala da casa da rodoviária de Campinas, oito anos antes, e era como se aquilo fosse a luz obscura dos suicidas arrependidos.

Nos tempos que viriam algo de bom poderia acontecer outra vez. Não um bom definitivo, claro. Mas bom apenas. Tranqüilo, triste. Mas bom. Meu calendário iria se modificar em breve. Já não seria de quatro em quatro anos para a Copa, tampouco de quatro em quatro anos para as Olimpíadas. O ano seria 2005.

Chorei sem que ninguém me visse. Eu via o Brasil campeão pela segunda vez, lágrimas nublando Cafu levantando a taça. Cafu levantando a taça, eu pensando que era tempo de emergir.

domingo, 6 de junho de 2010

MINHA COPA DE 98


Nós estreáramos “Um Certo Faroeste Caboclo” em janeiro. Foi o espetáculo que significou a inserção de muitos nós, de forma definitiva, no circuito teatral paulistano.

Do Pessoal do Faroeste (que virou nome da Cia, já que cada vez que comparecíamos a uma festa comentava-se que o pessoal do faroeste estava presente) saíram Daniel Alvim, Luciano Gatti, Manoel Candeias, Beto Magnani, dentre outros. Por lá também passamos eu, Lúcia Romano, Marcelo Médici, André Frateschi e, claro, Paulo Faria, que é o único de nós que continua por lá.

Naquele ano de 98 morávamos – Paulo e eu – no apartamento da Rua João Ramalho, em Perdizes, para onde eu me mudara antes de pedir demissão da vídeolocadora 2001 e voltar para a profissão que eu escolhera em 1987.

Foi neste apartamento que Paulo Faria – com sua sem cerimônia – invadia meu quarto para me ouvir tocar e cantar minhas canções ao violão. Também ali, numa de suas inúmeras festas para os exilados paraenses, ele quase me obrigou a mostrar estas canções publicamente.

Destas experiências nasceu a parceria do espetáculo “Um Certo Faroeste Caboclo” , letras e músicas minhas para dramaturgia dele.

Na primeira fase da copa, só me lembro de Brasil X Noruega, jogo que assistimos – Julio Cesar Pompeo e eu – num boteco ali ao lado da PUC (onde estudava Juliana, que eu ainda não conhecia).

Quando terminou o jogo, uma melancolia tomou conta de mim. Um mau agouro aquela derrota. Tomei um Dramin e fui dormir depois de chorar. Acho que o Julio achou um pouco exagerado, mas não falou muita coisa.

Na terça, 07 de julho, tínhamos uma pré-estreia marcada para as 19 horas no Centro Cultural São Paulo. Na semana seguinte à final da Copa faríamos a estréia da temporada que nos marcaria a todos.

Acontece que neste mesmo dia o Brasil pegava a Holanda pela semifinal da copa. Ufa! Vimos o jogo na casa de um dos músicos da banda, o Márcio Nigro. Todos se segurando para não beber já que tínhamos que fazer o espetáculo logo mais.

Acontece que aquela partida foi para matar quem tivesse coração fraco. E, no segundo tempo, a cerveja foi liberada. Quando o jogo foi para a prorrogação pegamos os carros e fomos para o teatro, ouvindo o jogo pelo rádio.

Na disputa de pênaltis o elenco – mais corajoso que eu – ficou no bar do teatro assistindo, enquanto eu ficava lá longe, num dos corredores que davam acesso à sala de espetáculos, ouvindo as comemorações. Soube da vitória quando São Paulo explodiu.

Naquela noite fizemos um espetáculo feliz. Mais do que deveríamos, se é que me entendem...
Na final contra a França ficamos todos alheios ao que estava acontecendo nos bastidores. Aquele enredo de filme noir só seria desvendado depois e aos poucos.

Num apartamento de Higienópolis, meu amigo Gabriel Braga Nunes reuniu familiares e amigos para ver a final. Encontrei com sua mãe - a atriz Regina Braga – dia destes quando eu gravava uma participação numa novela na qual ela certamente será um dos destaques, grande atriz que é, e relembramos este dia.

A cada gol francês eu me posicionava mais próximo da porta já temendo pelo vexame que eu daria se o Brasil perdesse. Quando tomamos o terceiro gol eu saí – desculpem o trocadilho – à francesa e fugi para minha casa, meu quarto, meu sono, do qual só acordei num longínquo dia seguinte, quando as histórias sobre a crise nervosa de Ronaldo já tomavam as manchetes dos jornais.

A despeito do sucesso que faríamos ao longo daquele e dos dois anos seguintes, minha memória é mais intensa quando pensa nas crises nervosas. Não a de Ronaldo, mas as minhas próprias.

Mais de dois anos depois, em outubro de 2000, a maior de todas me levou a um hospital. Eu tinha trinta anos e chegara ao ponto do qual passei a emergir. Naquele momento, entretanto, me era impossível enxergar a superfície.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

40 ANOS



Do ponto em que me encontro sinto-me um vencedor. Poderia fazer a lista das coisas que deixei de fazer, mas talvez o item mais importante seja: deixei de morrer.

Não foram poucas as vezes que tentei, de alguma forma. Claro, não sou melhor nem pior do que ninguém. Tenho, entretanto, como todas as pessoas, um viés pelo qual percebo o que se passa ao meu redor.

Deste olhar único nem sempre surgiram tons solares. Pelo contrário. Quando penso no que nos espera a todos continuo achando tudo isso um grande absurdo, um filme expressionista, um pequeno pesadelo.

Sim. Pequeno. Já foi maior, longa metragem. Agora é assim: curta.

Melhor seria listar as outras coisas. Há Juliana, por exemplo. Nosso encontro é um milagre, palavra estranha para um ateu fervoroso. Quando nos encontramos - Juliana e eu - já passara pela fase de querer morrer. Mas não sabia o que colocar no lugar desta pulsão primaz.

Nosso encontro surgiu de lágrimas. Muitas delas impedidas de sazonar pelas outras que nasciam. Éramos assim: drama e tragédia.

Como então não celebrar os risos que temos cultivado nos dias e noites que temos passado juntos?

Do ponto em que me encontro percebo que, dia após dia, torno-me mais uno numa parceria que contempla dois. E respeitamo-nos e adquirimos o respeito de nossos amigos, pares, familiares.

Não olho para o que não me tornei. Melhor é a lista das qualidades que formam o homem que sou.

E não me importam as cores que me rodeiam. Elas continuarão aqui, em seus tons de azul mais ou menos profundo, cinza menos ou mais acachapante, as mais solares irritantemente desfocadas – mundo expressionista, lembra? Afinal esse sou eu e estou satisfeito com o homem que me tornei.

Medo dos próximos possíveis 40? Um pouco, não sou louco. Mas nada que me paralise. Tenho a mim mesmo para me amparar. E Juliana para amparar. E Juliana para me fazer companhia nas noites de frio.


P.s.: Esperamos vocês - Juliana e eu - no dia 04 de junho, sexta, a partir das 20 horas no Estação SP Design – Rua Haddock Lobo, 1012 – tel.: 3898-2335. Um lugarzinho aconchegante prá gente beber algo e comemorar meu aniversário de 40 anos...

Beijos e até lá.

Eliseu Paranhos

sexta-feira, 7 de maio de 2010

MINHA COPA DE 94

Em 1994 eu estava tentando entrar no mercado de trabalho depois que a paixão pela academia se dissipara definitivamente. Na UNICAMP eu migrara para as estéticas populares a despeito do imenso preconceito que a academia tem por estas manifestações.


Esta opção tivera início também em uma decepção. Quando, aos 17 anos, eu conheci Luís Otávio Burnier, tive certeza de que o teatro antropológico seria o meu caminho. Mas Burnier morreu muito jovem quando eu já não era seu discípulo. Ainda me lembro de Jésser, Renato, Cristina e outros colegas de turma sentados na escadaria do cemitério logo após seu sepultamento, órfãos, sós, perdidos.


Meu diploma universitário fora pisoteado no chão do ginásio de esportes da UNICAMP num longínquo dezembro de 1992, num sintoma do que aconteceria nos anos que se seguiriam.


Aquele, de copa, se iniciara com a abertura da sede do Teatro Zelândia no casarão em frente à antiga rodoviária de Campinas, o mesmo casarão onde eu procurara a Lisete em 90 quando soube da morte da Verinha.


Numa parte do casarão passamos a morar Rogério - que tornara-se membro do grupo - e eu. Na outra, ficava a sede da Cia. Eu trabalhava quase o tempo todo. Foi meu período "workaholic". Foi numa daquelas madrugadas que eu escrevi minha adaptação de "Giovanni", de James Baldwin, na máquina de escrever "Brother" que eu comprara na "Sears" no ano anterior.


Só usava transporte coletivo, exceção feita aos taxis (numa destas vezes eu contratei um em São Paulo para me levar à Campinas depois de ter uma das muitas discussões estético-ideológicas com meus melhores amigos-inimigos Rogério e Pedro). Às vezes eu saia de Campinas às 5 da manhã, chegava à Sâo Paulo muito cedo e pegava os mais diferentes transportes públicos para chegar às 8 horas em alguma reunião nas empresas que contratavam nossos serviços.


Já não jogava vôlei, futebol, basquete, nada. Só fumava, tomava café e trabalhava. Não namorava também. Não sei se por falta de tempo, por medo, por falta de pretendentes...


Em julho Rogério foi para o Rio e o casarão silenciou com as férias e com a Copa. Passei o dia 14 de julho, aniversário de dez anos da morte de Wagner, só. Três dias antes da final da copa. Mau agouro...


Aos 24 anos eu nunca vira a seleção brasileira campeã. Já estava me acostumando à minha má sorte. Julho nunca era fácil. Os meus melhores sonhos não estavam se realizando. Lá, naquele escritório que se transformava em sala da minha casa, diante da ausência de meus colegas de grupo, assistia, deitado no chão, à TV colocada num suporte alto àcima da porta que levava à cozinha.


Segundo esta perspectiva, a copa ficava quilômetros acima de mim, num lugar repleto de éter, de falta de ar, de sensação de aperto, de mundo de sonho ou pesadelo.


O chão frio e a TV mostrando um sol escaldante em algum lugar muito ao norte onde meu irmão estava. Estaria ele no estádio, ele que migrara há pouco para Los Ângeles e deveria ter muita saudade de nossas coisas, do Corinthians, da periferia de Campinas?


Aos 24 anos uma taquicardia incomensurável. Sensação de morte iminente. Solidão terrível. Medo do fracasso. Medo de que os sonhos estivessem se distanciando. Medo de que os maiores pesadelos surgissem outra vez à minha frente.


O que se somaria ao fim da meninice de 82, ao pranto que escondia os primeiros amores frustrados de 86, ao desprezo arrogante de quem tem tudo pela frente em 90?


E era árido aquele campo de batalha. Era mesquinho e covarde por tudo de ruim que nos acontecera. Era de um medo apavorante e paralisante. De quem poderia perder tudo outra vez.


Foi assim que não pudemos ter a responsabilidade final pelo nosso destino. Foi o outro que fez por nós. Baggio perdeu o pênalti.


Isso posto, tudo de bom se colocava diante de mim, diante de nós. Era o duplo fim do "complexo de vira-latas". Meus sonhos se realizavam, era possível ser feliz. Agora eu não precisaria mais me contentar com o medíocre. O Brasil renascia.
Nos anos seguintes, minha revolução particular criou-se e nutriu-se. Em outubro de 95 eu deixei a Cia funcionando a plenos pulmões em Campinas e fui dirigir um espetáculo de Cuiabá. Voltei quebrado, gastei tudo que havia guardado. Frustração? Sim. Medo? Nunca.
Eu queria que a Cia se mudasse para São Paulo, queria experimentar o profissionalismo aqui, onde tudo acontecia. Meus pares não quiseram, vim só. Foi em 96, mesmo ano em que voltei a namorar. Quase casei!
Ok, não casei, mas quem se importava? Ninguém poderia mais nos segurar, éramos imbatíveis segundo minha perspectiva. Eu empatara sem gols com a vida, mas vencera nos pênaltis quando o mundo, num sinal de fraqueza, compreendeu meu recuo estratégico e viu, no fundo dos meus olhos, o animal ferido no qual eu me transformara.

terça-feira, 13 de abril de 2010

AS IGREJAS

Deixei as religiões de lado há um longo tempo. Elas e os deuses. Minha única ligação é com as diversas mitologias que elas proporcionam. Minha relação é com a cultura, antes de mais nada.
De fato não tenho muita paciência para proselitismo de nenhum tipo. Acho as religiões retrógradas e, quase sempre, criminosas - em suas versões fundamentalistas.
Nos últimos dias pude assistir a um filme sobre judeus ortodoxos (Pecado da Carne) e ler algumas matérias sobre cristãos ("Vídeo da universal revela como arrecadar na crise" e "Homossexualismo tem laço com pedofilia, diz vaticano") que apenas corroboram minhas opiniões.
Tenho um pouco de ternura pelos religiosos moderados honestos. Eles devem estar ruborizados com o que se tem visto, ouvido e lido por aí...

segunda-feira, 29 de março de 2010

ARMANDO NOGUEIRA

Estou com vontade de trabalhar menos. De ver mais jogos do Santos. Assistir o Federer segunda à tarde na tv sem culpa.

Voltar ao museu do futebol para, sem pressa, visitar cada um dos locutores, cronistas, jornalistas que falam dos seus lances inesquecíveis. Ouvir tudo que tiver do Osmar Santos.

Reler tudo que Nelson Rodrigues escreveu sobre futebol. E pegar tudo o que aparecer pela frente de Armando Nogueira, o último deles...
Quero ir para o Guarujá logo. Pegar o início do outono por lá. Ficar agarrado à minha pequena, de preferência com um friozinho gostoso.
Sobretudo fazer coisas bobas com a minha pequena. Coisas divertidas. Esquecer responsabilidades ao lado dela. Me cobrar menos junto com ela. Cobrar menos do mundo perto dela. Fechar os olhos para tudo que há de cinza e só prestar atenção à ela. Me afundar no azul dos olhos.
O tempo está passando, como sempre. Passou para o Nelson, passou para o Armando, vai passar para mim, vai passar para nós.
Bora aproveitar então?

sábado, 20 de fevereiro de 2010

MINHA COPA DE 90



A era da inocência terminara. Para alguns isso se dá aos 18 ou 20. Para mim aconteceu aos 14 e só foi se intensificando. De forma que em 1990, aos 20 anos, eu deixara de ter com o esporte a mesma relação de afeto.

Na verdade, àquela altura, eu já era um adulto na acepção plena da palavra. Assim, se em 86 eu estava envolto por amores e emoções adolescentes, em 90 eu já entendia o que era o trágico no sentido Nietzschiano.

No fim de 89 eu e meus colegas de teatro embarcáramos para uma viagem de 40 dias pelo sul do país. Fomos “mambembar”. Levamos uma adaptação de “Valsa n. 6” de Nelson Rodrigues, um texto curto de Tchekhov , “O Pedido de Casamento”, um fragmento do “Woyzeck” de Büchner e um infantil chamado “Do Outro Lado da Cerca” – escrito por um ator e diretor gaúcho chamado Hermes Mancilha, que foi uma espécie de anfitrião.

O Cazuza havia lançado o LP (sim, naquela época ainda era LP) “Burguesia” e eu o ouvia sem cessar naqueles dias em que passamos na praia de Quintão. Tudo estava ruim, o clima entre nós era péssimo, quase não tínhamos o que comer – eu tinha algum dinheiro das aulas que dava em Campinas, mas os outros estavam duros – e uma quase-guerra se instaurou no grupo.

Pelo mundo, as pessoas estavam morrendo de AIDS e a gente estava querendo apenas viver nossa sexualidade plenamente. Que época para isso...

E houve a Fátima. A morena que se apaixonou por mim e me fez me apaixonar por ela numa noite na praia enquanto eu cantava “Tigresa”. Começamos a namorar lá mesmo. Dias depois ela veio embora para São Paulo.

Então surgiu a Vera. Moça de Canoas, noiva, mas apaixonada por mim a ponto de querer vir para São Paulo e abandonar tudo, inclusive um noivado de sei lá quantos anos.

O Hermes foi atropelado e foi parar num hospital com ferros pela perna toda. A Bel fraturou o pé na virada do ano pulando onda.

Quando voltamos eu tomei conta dela e o A.J. me acusou, durante anos, de ter melado o romance entre os dois...

Fátima e eu terminamos na São João depois de uma briga idiota. O Ilion Troya veio para o Brasil com o “The Living Theater” na mesma época em que chegou a notícia de que a Vera havia morrido num acidente de moto (o noivo sobreviveu).

Deve ter sido em maio que eu suportei 20 horas dentro de um ônibus para visitar Porto Alegre que não estava nada alegre. Verinha morrera e Hermes ainda se recuperava do acidente. Foi a primeira vez que eu ouvi “As Quatro Estações” da Legião Urbana: “E há tempos nem os santos têm ao certo a medida da maldade/ E há tempos são os jovens que adoecem/ E há tempos o encanto está ausente e há ferrugem nos sorrisos/ E só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção”. Hermes também morreu jovem tempos depois.

Eu, para sobreviver, dava aulas de educação artística numa escola da periferia de Campinas, todas as noites. Saia da UNICAMP às 18 horas e atravessava a cidade. Por isso não assisti à maior parte dos jogos da Copa de 90, que aconteciam entre as 17 e as 21 horas – horário de Brasília.

Na derrota do Brasil para a Argentina, o pragmatismo de Lazaroni não me satisfazia. De resto, não satisfazia a boa parte da torcida brasileira. Mas é estranho, olhando em perspectiva, como parece fazer sentido aquela seleção. Não poderia haver poesia mesmo naqueles tempos bicudos. Em 82 a poesia fazia sua exibição de gala num mundo que ainda não conhecia a AIDS (que estava encubada, pronta para explodir e implodir a revolução sexual) e em 86 ela agonizava e dava seus últimos suspiros após a derrota das “diretas já”. O sonho não acabara na década de 70, ele acabava no fim da década de oitenta. O muro de Berlim caíra em 89 e todos os esquerdistas percebíamos o equívoco que fora a aventura do “socialismo real”. Cada época tem o futebol que merece.

No dia da disputa do terceiro lugar, em 7 de julho, Cazuza morre. Uma nova época estava surgindo, mais sombria certamente. No dia seguinte, 8 de julho, terminava a Copa de 90 com a vitória da Alemanha, o país do “futebol-prosa”, segundo definição de Pasolini.

Depois de tantas coisas realmente importantes, a copa tornou-se só uma remota lembrança. Em outubro de 90 eu juntei minhas poucas coisas e fui-me embora da casa de minha mãe. Era o ponto final de um processo que começara em julho de 84. Naquele dia eu entendera que, no fundo, estamos todos sós. Depois da copa de 90 tomei para mim o timão de mim mesmo. A questão era: o que eu faria com a minha solidão?

BALANÇO DE ANO NOVO


Em março do ano passado inaugurei este espaço com um “post” de nome dúbio. “Aderindo” parecia uma espécie de rendição, sentia-me quase direitista, como se os livros e os jornais impressos fossem desaparecer por minha culpa a partir da tal adesão. Felizmente nada disso aconteceu. Outras coisas aconteceram. Faço aqui um balanço delas.

- A garota da UNIBAN vingou-se. Saiu de seu anonimato, fez inúmeras plásticas (eu estava de férias e não a vi em seu novo visual, mas parece que houve uma repaginação total!) e tornou-se uma celebridade instantânea. Impossível não sorrir com o canto dos lábios. Também sou vingativo...

- Em compensação meus “posts” sobre educação ficaram ainda mais obsoletos. Quem é que vai se preocupar com a qualidade da educação do país (UNIBAN’S incluídas) se é mais fácil tornar-se celebridade do que estudar?

- Estou com muita saudade do outono e do inverno. Canso rápido de ver tudo e todos descendo na boquinha da garrafa...

- Respiro fundo cada vez que alguém desiste. É parte de minha natureza a desistência. Felizmente me acostumei a continuar, mas cada vez que alguém (como o estilista inglês) desiste, um frio me percorre a espinha. Em respeito, em solidariedade, em entendimento.

- As tragédias coletivas sempre me atormentam. No ano passado foi o Air Bus, este ano as mortes em Angra e no Haiti. De resto, as tragédias particulares também me mobilizam. Ok, eu gosto mesmo de uma tragédia...

- Em junho do ano passado escrevi sobre o Irã. O ano começa com eles querendo enriquecer urânio a 80%. Definitivamente odeio todo e qualquer fundamentalismo. E se falo do islâmico hoje é apenas uma questão circunstancial. Poderia falar do fundamentalismo cristão que afirma que homossexualismo não é natural e que preservativo é contra a vida...

- Reli “1984” de George Orwell. Estávamos jantando na casa de meu sogro e comecei a contar a meu sobrinho de sete anos um pouco da história do verdadeiro Big Brother (bem de minha índole isso de contar este tipo de história a um menino de sete anos...). Repentinamente percebi que não me lembrava mais do fim do romance. Freud explica... Continua sendo um dos melhores romances do século XX em minha opinião.

- Infelizmente o outro Big Brother, o da TV Globo, está sendo um pesadelo. Truculência, preconceito, desinformação e um favorito que é a cara do brasileiro médio. É o que há de pior sobre nós mesmos. É como nos olharmos no espelho – como nação - e não gostarmos do que vemos.

Por fim, em ano de copa, vou terminar minha história das copas a partir do próximo “post”, exceto se algo importante e digno de comentário acontecer.

Aderir não foi assim algo tão ruim.

Beijos e abraços e bom 2010.
P.s.: Dica de um amigo...


Festival de Curtas e Docs Art Deco em SP
Inscrição ate o dia 31 de março.
Via correio no endereço:
Exotic Filmes Ltda Me
Rua da consolação, 2825 - ap. 141
Jardim Paulista – CEP 01416-001 – São Paulo – SP
A/C: Roberto Christo

Enviar: Ficha de inscrição(por e-mail), comprovante de depósito e DVD do filme.
Taxa de inscrição: R$ 15,00
O Festival será realizado no mês de abril.
Maiores informações:
no blog, comunidade no orkut ou
(11)7124-5682/(11)8157-6299 – nobreass@ig.com.br com Daniel ou Roberto

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

CARTA RESPOSTA A UMA AMIGA

Querida Amiga:

A demora em minha resposta deveu-se, em primeiro lugar, à tristeza que me invadiu nos dias que se seguiram à tragédia que motivou meu último texto e, em segundo, à dificuldade de responder aos elogios que vieram de diversas partes com relação à qualidade estilística e poética dele.

É verdade que não pensei muito nisso quando usei o termo “crioulo”(ver nota 1 no fim do artigo), mas há aí uma sutileza passível de entendimento apenas a quem conhece bem a história do Haiti e de sua colonização. E a manipulação poética com o termo "créole" tampouco foi pensada, foi antes sentida.

Como já disse não me lembro quase nada do texto que escrevi sobre a Vila Parisi(2). Lembro-me, no entanto, do menino que fui e que aquele foi um ano de muito sofrimento e amadurecimento para mim.

E – ai! – como é difícil, por vezes, separar-me das coisas que escrevo... É tão diferente de interpretar um personagem! Pode-se voltar para casa incólume, muitas vezes – senão quase sempre. Mas escrever não me dá esta possibilidade. Sinto-me ainda muito misturado.

Compreendo que você queira sacudir meu pessimismo. É claro que sei que há muita gente boa no mundo. É claro que sei que podemos colaborar. É claro que ESPERO que o planeta tenha futuro. Já disse em outro texto, aqui mesmo, que pessoas como você e minha irmã me dão esperança. Cansa, no entanto, abrir os jornais e ver que há um universo de coisas conspirando contra.

Na maior parte do tempo vivo assim: esqueço de tudo e faço minha parte, incentivo quem estiver por perto a fazer o mesmo, mantenho-me honesto, digno, afável, carinhoso, amoroso, firme, justo. Muitas vezes cometo pequenos erros, repenso, reparo, refaço, peço desculpas sem carregar o peso da culpa cristã já que somos todos falíveis e humanos.

Mas confesso que há dias – principalmente nestes dias de tragédias coletivas advindas basicamente da estupidez humana – que desanimo sim, que desespero sim, que desacredito sim... Por que em 1989 um terremoto de 7,1 na escala Richter matou 67 pessoas nos Estados Unidos(3)! O que mata é a miséria!

Nestes dias eu me dou o direito de permanecer por um tempo só, calado, triste, vivendo meu banzo(4) (para usar outro termo de nossa herança negra). Até para renascer.

Então, vamos sim fazer um movimento, um manifesto, um show, algo que chame a atenção para os Haitianos nestas horas difíceis. E peço a sua ajuda para me lembrar de fazer isso outras vezes, para eu lembrar de não esquecer do Haiti quando meu banzo passar.


Com carinho.

(1) A palavra crioulo designa um povo e um dialeto português falado em Cabo Verde e em algumas outras regiões de colonização portuguesa. Ao mesmo tempo seu correspondente em francês - créole – designa também a língua falada nas Antilhas Francesas, Haiti incluído, numa espécie de unificação de nossos ancestrais.

(2) Em 1984 um incêndio na favela de Vila Parisi, em Cubatão, causou comoção nacional e foi tema de um texto meu igualmente emocionado, quando eu tinha 13 anos.

(3) Estou citando João Pereira Coutinho que escreveu sobre isso na Folha de ontem, 19 de janeiro.

(4) Nostalgia mortal dos negros.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

PORTO PRÍNCIPE



Minha alma crioula passeia atordoada pelas ruas devastadas de Porto Príncipe. A poeira, a destruição e o medo misturam-se ao cheiro de morte e dor.

A miséria – que já era tanta! – aumenta a cada passo, a cada olhar, a cada pele negra e pobre, a cada feição assustada.

Eu sou Porto Príncipe nas noites que virão, na desesperança incessante, na crença de que o deus da morte fez morada por lá.

Sou o castigo do deus da morte e sua crueldade, seu humor estranho, dantesco, sádico.

Minha alma crioula vai se encontrar com os santos protetores de Porto Príncipe e eles me mirarão com aquele semblante de quem diz que avisou que isto me aconteceria.

A cada amanhecer, Porto Príncipe será uma mãe vingativa dizendo num tom grave e quase surdo que deveríamos ter sido bons meninos para que não sofrêssemos as conseqüências.

Quererei ser órfão destas coisas quando olhar ao meu redor e me certificar de que a destruição é ainda maior do que pensei, do que sonhei em meus pesadelos mais recônditos.

E serão negros e mulatos e crioulos como eu aqueles que mais sentirão dor nas noites de Porto Príncipe.

Não rezaremos, não oraremos, lançaremos nossa tristeza pelos cantos, misturaremos nossas lágrimas com o pó que ainda irá subir por muitos dias pelos dias que virão em Porto Príncipe.

O branco do palácio, o rosa do edifício ali à esquerda, as cores todas misturadas à melancolia de todas as coisas que nos rodearão, tudo muito amalgamado à pobreza de antes, à desolação de sempre, à esperança de nunca. Nunca.

Nossas mãos tocarão as pedras de Porto Príncipe, nós as empilharemos usando nossas lágrimas para molhar o cimento. Sabemos que é o único edifício que permanecerá.

Todos os corpos sobreviventes estarão pintados pela clareza do pó que permanentemente subirá de Porto Príncipe nos dias que virão.

Enfim, quando o mundo voltar a ver-nos crioulos como antes, poderá esquecer-se, já que só Porto Príncipe pode suportar por tanto tempo o esquecimento perene de todas as nações.