Querida Amiga:
A demora em minha resposta deveu-se, em primeiro lugar, à tristeza que me invadiu nos dias que se seguiram à tragédia que motivou meu último texto e, em segundo, à dificuldade de responder aos elogios que vieram de diversas partes com relação à qualidade estilística e poética dele.
É verdade que não pensei muito nisso quando usei o termo “crioulo”(ver nota 1 no fim do artigo), mas há aí uma sutileza passível de entendimento apenas a quem conhece bem a história do Haiti e de sua colonização. E a manipulação poética com o termo "créole" tampouco foi pensada, foi antes sentida.
Como já disse não me lembro quase nada do texto que escrevi sobre a Vila Parisi(2). Lembro-me, no entanto, do menino que fui e que aquele foi um ano de muito sofrimento e amadurecimento para mim.
E – ai! – como é difícil, por vezes, separar-me das coisas que escrevo... É tão diferente de interpretar um personagem! Pode-se voltar para casa incólume, muitas vezes – senão quase sempre. Mas escrever não me dá esta possibilidade. Sinto-me ainda muito misturado.
Compreendo que você queira sacudir meu pessimismo. É claro que sei que há muita gente boa no mundo. É claro que sei que podemos colaborar. É claro que ESPERO que o planeta tenha futuro. Já disse em outro texto, aqui mesmo, que pessoas como você e minha irmã me dão esperança. Cansa, no entanto, abrir os jornais e ver que há um universo de coisas conspirando contra.
Na maior parte do tempo vivo assim: esqueço de tudo e faço minha parte, incentivo quem estiver por perto a fazer o mesmo, mantenho-me honesto, digno, afável, carinhoso, amoroso, firme, justo. Muitas vezes cometo pequenos erros, repenso, reparo, refaço, peço desculpas sem carregar o peso da culpa cristã já que somos todos falíveis e humanos.
Mas confesso que há dias – principalmente nestes dias de tragédias coletivas advindas basicamente da estupidez humana – que desanimo sim, que desespero sim, que desacredito sim... Por que em 1989 um terremoto de 7,1 na escala Richter matou 67 pessoas nos Estados Unidos(3)! O que mata é a miséria!
Nestes dias eu me dou o direito de permanecer por um tempo só, calado, triste, vivendo meu banzo(4) (para usar outro termo de nossa herança negra). Até para renascer.
Então, vamos sim fazer um movimento, um manifesto, um show, algo que chame a atenção para os Haitianos nestas horas difíceis. E peço a sua ajuda para me lembrar de fazer isso outras vezes, para eu lembrar de não esquecer do Haiti quando meu banzo passar.
Com carinho.
(1) A palavra crioulo designa um povo e um dialeto português falado em Cabo Verde e em algumas outras regiões de colonização portuguesa. Ao mesmo tempo seu correspondente em francês - créole – designa também a língua falada nas Antilhas Francesas, Haiti incluído, numa espécie de unificação de nossos ancestrais.
(2) Em 1984 um incêndio na favela de Vila Parisi, em Cubatão, causou comoção nacional e foi tema de um texto meu igualmente emocionado, quando eu tinha 13 anos.
(3) Estou citando João Pereira Coutinho que escreveu sobre isso na Folha de ontem, 19 de janeiro.
(4) Nostalgia mortal dos negros.
Bom ler um blog desse para me acordar (literalmente, digo).
ResponderExcluirVocê escreve com palavras suas, e isso anda muito difícil ultimamente, principalmente assuntos como o Haiti. Não é jornalístico, é coraçãolístico!
Vou dar mais umas lidas. Se quiser ver o meu, não sou muito atuante, mas, vez por outra, apareço lá. Beijos amigo.
http://keilataschini.blogspot.com/
Vou te visitar lá no seu...
ResponderExcluirVenha quando quiser, é bom ouvir os amigos por aqui, principalmente quando estamos meio assim...
Fazia tempo que não passava por aqui.
ResponderExcluirQueria falar da maneira como você escreve, mas acho que nesse momento quero só compartilhar minhas impressões.
O que o Planeta nos joga na cara agora e continuará a nos mostrar ( preparemos nossos corpos e corações) é realmente a mãe se vingando...E acho que enquanto não olharmos fundo nos olhos dela e entendermos e praticarmos a palavra RESPEITO, ela continuará os ensinamentos, mesmo que cruéis.
Me choca lembrar do Haiti, só quando ouço a canção " O Haiti não é aqui!...". E isso é tudo que sei sobre aquele povo.
Me entristece olhar as imagens e não me sentir parte da tragédia , é longe , é difícil acontecer aqui... A Terra está se remoendo e estamos tentando ter esperança num filme 3D.
Me assusta a possibilidade e quase a certeza de que esqueceremos os crioulos quando o banzo passar...Porque sem nenhuma duvida renasceremos, isso faz parte do ciclo de vida na Terra.
E como dizer Feliz 2010, amigo?
Ouvi esses dias de um cacique:
A Terra não é um lugar para ser feliz,
Felicidade são momentos raros no Planeta , devemos agarra-los quando eles aparecem...
A Terra é um lugar de evolução.
De cair e levantar , cair e levantar...
Tenho impressão que estamos caindo há muito tempo...
Até nosso próximo encontro.
Que seja breve!
Renata Laurentino.
Pense no Haiti, reze pelo Haiti.
ResponderExcluirO Haiti é aqui.
O Haiti não é aqui.
Não nos esqueçamos de nos lembrar...
Ainda bem que a gente levanta, né Re?
ResponderExcluirTambém espero vê-la em breve...
Laura: Lembrar de esquecer, esquecer de lembrar... A gente tá sempre entre o inferno e o paraíso, né?
ResponderExcluirSaudade de você e de sua inteligência e sensibilidade...
Também tenho saudades de você, escrevi um negócio, acho que você vai lembrar. Vê lá no meu blog.
ResponderExcluirBeijos.
Primeira vez no Blog, gostei muito...ainda não escrevo tão bem, mas a intenção de se opor a muitos fatos irônicos da nossa sociedade já é algo.
ResponderExcluirPara o seu Blog muito sucesso e um bom, e futuro TP!
Obrigado Isaque! Volte sempre e mande sempre notícias suas! Abraços.
ResponderExcluirPs.: Amanhã tem novo post...