quinta-feira, 23 de abril de 2009

EDUCAÇÃO

Quando eu tinha 13 anos, ou seja, exatamente há 26 anos, eu proferi um discurso num fórum de educação na cidade de Campinas - onde morava - no qual afirmava, entre outras coisas, que "se a educação no Brasil continuar dessa forma nós vamos acabar nos tornando um 'xerox' da idade média". Ao reboliço - que se seguiu à essa afirmação tão contundente vinda de um menino morador de um dos bairros mais pobres da periferia da segunda maior cidade do mais rico estado do país - juntou-se outro, mais grave, já que afirmei, nas diversas entrevistas que dei, que faltava democracia nas escolas. Que confusão.
Preocupada com a possibilidade de alguma represália, Maria Alice Conde Alves Rodrigues, então ex-professora de Língua Portuguesa da escola pública que eu frequentava, me levou à Secretária de Educação com o intuito de criar alguma "blindagem" que me permitisse continuar a estudar em paz, mesmo após essa bombástica declaração, feita num período de ditadura militar. Não sei se houve alguma blindagem e tampouco sei se isso era mesmo necessário. Eu era apenas um menino aprendendo a opinar.
Aparentemente não houve represália. Não que eu saiba. A ditatuda terminou dois anos depois, tivemos de esperar por mais um longo período antes de votar para preseidente da república e o resto é história.
A verdade é que a educação de fato tornou-se um "xerox da idade média". O vaticínio do garoto de 13 anos se concretizou. Claro, há exceções, pelo menos deve havê-las, ainda que eu não as conheça; me desliguei da escola pública há muito tempo. O que me dá esperança é que há ainda pessoas como Professora Doutora Clarete Paranhos - que, de frequentadora de escola pública, é hoje supervisora de ensino e professora Universitária - e Maria Alice Conde Alves Rodrigues - que se já não trabalha com educação (não tenho notícias recentes dela) fez sua parte no tempo que lhe coube - que insistem em se meter neste matadouro que é a educação no país. De resto, só quem pode pagar tem acesso de fato à educação.
Não podemos negar que houve evolução. Na UNIFESP de Guarulhos dou aula para jovens que vieram não apenas da elite. A universidade pública já chega mais a quem não tem recursos. Eu mesmo frequentei uma das melhores universidades da América Latina, a UNICAMP, numa época em que pobres quase não podiam fazê-lo.
Ainda assim, penso que há um abismo enorme entre a educação de qualidade e a educação mediana. O ensino público fundamental e médio estão pilhados. Famílias que não podem proporcionar ensino privado para seus filhos, acabam pagando por faculdades, em sua maior parte, dispostas mais à caçar níqueis do que a garantir boa formação e pesquisa minimamente aceitável.
O mais angustiante nisso tudo é que minha experiência na UNIFESP demonstra que ensino de qualidade não é um milagre. Basta vontade política. Quando um jovem tem acesso a educação de qualidade ele, em geral, não abre mão, torna-se um apaixonado pela coisa, aproveita de fato.
Me lembro que quando cheguei à UNICAMP, mesmo tendo sido um aluno acima da média para os padrões daquela época, tive que me virar para acompanhar o nível dos colegas de turma. Em meu primeiro seminário em História do Teatro Ocidental, por sorteio fiquei incumbido de fazer um seminário sobre "Édipo Rei", de Sófocles. Meu amigo que se tornara responsável pelo "Édipo em Colona" me perguntou se eu pretendia fazer uma abordagem "Freudiana" do mito e eu disse que sim. Mas ora! Eu não sabia do que ele estava falando! Nunca li tanto Freud quanto neste período! Nem filosofia! Nem tudo que me aparecia à frente!
Os garotos da UNIFESP também são assim: basta que você cite uma ou duas obras para que eles se atirem de cabeça na pesquisa e voltem como se sempre tivessem sabido a respeito. É mais ou menos como aprender a ler ou a ouvir música. Uma vez tomado o gosto, nunca mais deixamos de apreciar cultura.
Outra vez Maria Alice: foi ela quem me apresentou Mercedes Sosa, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, entre muitos outros. Em casa minha irmã - a mesma que hoje é supervisora de ensino - me mostrava tudo o que surgiu de bom no início da década de oitenta no que diz respeito à MPB, fora a sua biblioteca que eu devorei muitas vezes sem que ela soubesse.
Se levarmos em consideração que havia inúmeras possibilidades ao meu redor ali no Jardim São José - bairro muito carente da periferia de Campinas - não tão, digamos... Alvissareiras... Havia o tráfico, havia as drogas, havia o dinheiro fácil do crime... Mas havia também o encantamento de um menino pelos livros, pela música e pelo teatro. Havia uma meia dúzia de pessoas focando minhas vistas em coisas que o crime não podia proporcionar.
Penso muito sobre isso: o universo fantástico que as artes e a cultura podem proporcionar são tão imensamente mais alucinantes do que aquele de determinadas drogas que, se soubessem, muitos adolescentes trocariam de vício... Mas isso me foi apresentado quando eu ainda estava aprendendo a dar opiniões, quando eu era um menino.
E hoje? O que podemos esperar desses meninos e meninas? Tenho medo. Tenho muito medo.
Beijos e até a próxima.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

POEMA EM LINHA RETA

Só para constar: na falta de algo melhor a dizer, vamos ao grande Fernando Pessoa...
"Álvaro de Campos - Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."
P.s.: Tenho levado muitas porradas. E não me envergonho disso...

terça-feira, 21 de abril de 2009

A BELA AMERICANA E A FERA BRITÂNICA

Todos devem ter visto, ouvido ou lido algo a respeito da escocesa Susan Boyle. É aquela senhora que deixou os jurados e o público da versão britânica do concurso para cantores boquiabertos graças à sua voz exuberante. Mas afinal o que há de tão extraordinário nisso? Não era mesmo a voz dos candidatos que deveria ser testada? Em termos...
O que se viu no caso da escocesa é o quanto esses caras do show-business podem ser preconceituosos. O que se julga nunca é apenas o talento. Isso não basta para o mercado. Talento não tem necessariamente nada a ver com sucesso. Para a máquina de moer carne do mercado, talento é uma ínfima parte de uma equação que contém grandes quantidades de juventude, sex-appel, beleza e capacidade de se promover, coisas que, evidentemente a escocesa não possuia.
Tome-se o exemplo do mesmo concurso em sua versão brasileira: o vencedor não foi o mais talentoso - um rapaz chamado Rafael Bernardo, de longe o mais capacitado para a profissão de cantor - mas sim um outro com algum talento mas com muito mais beleza.
A velha máxima do modo de vida americano, no qual a força de vontade e a perseverança são capazes de nos levar ao limite do sucesso, não contém o elemento talento. Não à toa, os americanos do norte são, em sua média, o povo mais medíocre do planeta e, ainda sim, a potência hegemônica. Foram eles que ensinaram a nós todos esta fórmula. Foram eles que nos apresentaram o "loser".
Aquela senhora escocesa é a anomalia do "sistema" segundo o qual um perdedor será sempre um perdedor. Depois de ser ridicularizada pelos jurados e pelos protótipos de vencedores - aquelas belas jovens fazendo caretas ao encarar a feiúra da escocesa dizem tudo - a "loser" deve ser transformada imediatamente em vencedora, eles não podem admitir que a fórmula é falha! Isso seria perigoso demais! Se todos os desdentados descobrirem que podem ter algum talento... Ai que medo! Então "eles" abrem as portas para que um ou outro destes passe pela fresta. Essa comoção será suficiente para que mantenham por mais algum tempo a multidão de fracassados sob controle.
Então, os jurados fazem a catarse e nos esquecemos do quanto eles tripudiaram, humilharam, esculhambaram! Um dos jurados do programa britânico, um tal de Piers, está participando de um programa americano com celebridades. Para quem tiver estômago, dê uma olhada no caráter dele. É de enjoar. É este tipo de gente que faz girar a máquina de moer carne humana que é o show-business.
Enquanto isso, no concurso de miss Estados Unidos, outra polêmica. Só que desta vez trata-se de uma linda americana média e não de uma obscura escocesa. A miss Califórnia ficou em segundo lugar no concurso porque, especula-se, ao responder o que achava do casamento gay, se expressou de forma contrária! Mas o que se esperava da moça? Ela é uma americana média que se inscreve num concurso dos mais conservadores, onde qualquer declaração mais à esquerda é confundida com anti-americanismo! McCarthy pode ressuscitar dependendo do que você disser num concurso destes! Aliás, não foi a Califórnia que decidiu em referendo acabar com o casamento gay? Ela apenas representou a população de seu estado! E ela nem foi tão infeliz quanto a outra miss, que disse ter se divertido muito em Guantánamo! Nem disse que a camisinha não ajuda a conter a disseminação do HIV! Nem disse ser a favor da excomunhão de médicos que fazem um aborto numa criança para poupar-lhe a vida!
Eu vou propor uma troca: os jurados do concurso de miss vão para o concurso de música e vice-versa! Olha só: a miss Califórnia vai ser coroada o mais novo talento da música britânica e a senhora escocesa torna-se a nova miss Estados Unidos! Não é genial?
Beijos e até a próxima.
P.s.: Após escrever este artigo li na Folha de São Paulo de hoje uma coluna de João Pereira Coutinho que vale a pena ser lida. Num estilo e numa linha de raciocínio um pouco diferentes, ele chega às mesmas conclusões que tirei acerca de Susan Boyle. Chama-se "Senhora das Tempestades".

terça-feira, 14 de abril de 2009

OUTONO

Sempre achei as cores do outono as mais bonitas do ano. Infelizmente, entretanto, elas também trazem junto a melancolia. Não sei bem quem primeiro uniu as duas coisas - melancolia e outono. Provavelmente tenha algo a ver com o brilho do sol, que se torna menos intenso, preparando para o inverno que logo chegará. Não é à toa que chamamos de "o inverno de nossas vidas" o momento no qual a morte se avizinha. Há também a questão do ciclo se fechando: a primavera é a infância, o verão a juventude, o outono a maturidade e o inverno a velhice.
Essas conjecturas devem-se ao fato de que estou, de fato, um tanto melancólico. Por nada em especial, por tudo um pouco. A alergia - sempre rediviva no outono - é um tanto incômoda, mas não é motivo para deixar ninguém assim já que não representa nenhum perigo. Exceto quando se tratava daquela mais grave que me atacava os pulmões quando eu era criança e que foi a responsável pela mudança de minha família para o interior... Mas essa é outra história.
A verdade é que quase tudo de ruim, para mim, está relacionado ao outono ou ao inverno. Dia 14 de julho é meu dia oficial de luto, auge do frio - falo sobre isso um dia destes. Santo André, minha cidade natal, era um lugar bastante frio em minha infância e eu quase sempre estava doente lá, motivo pelo qual não tenho boas lembranças deste período. Agora, mesmo que eu tenha bons motivos para estar feliz depois de ter duvidado tanto de que isso seria possível, ainda assim a melancolia me abate.
O certo é que somos todos tão parecidos em nossas vulnerabilidades... Lembro-me de um personagem de Strindberg (dramaturgo sueco morto no início do século XIX, existencialista e expressionista) que passa a vida toda trabalhando para realizar o sonho de ter uma rede para pescar camarões da cor verde e que, quando finalmente consegue realizar tal sonho descobre que o tom de verde não era exatamente o que sonhara.
Que não me entendam mal as pessoas que me amam e a quem amo (Ok, Petit?), mas somos todos muito insatisfeitos! Queremos a felicidade, depois amar, então queremos a imortalidade, o sucesso pleno, ser amados por uma multidão, que a multidão nos deixe em paz, queremos então ficar a sós, toda a companhia do mundo, mais dinheiro, um cachorro ou um gato, um filho ou dois, nenhum animal a quem se apegar, filhos nem pensar, a casa muito limpa, que a diarista se vá o mais rápido possível, escrever como shakespeare, esquecer a influência dos outros e escrever apenas como nós mesmos, ah... Como somos insaciáveis! Muito bem: EU sou insaciável.
Nestes dias de outono, quando as cores das coisas se modificam, tudo se volta contra nós. Agora há pouco um enorme arco-íris se fez aqui na janela entre os prédios da Vila Mariana. Por mais solar que ele fosse, ele era também melancolia. Quando cores tão solares surgem à sua frente no outono elas apenas te lembram o quanto você está distante daquele estado. O claro que evidencia o escuro...
Quero ir à praia. Nada é mais melancólico do que praia no outono. E mais belo. Aliás, a foto que está aí em cima é do Guarujá. Pôr-do-sol combina com outono. Crepúsculo. Agora, repentinamente, tive medo de afugentar meus leitores. Tudo bem. Seria um motivo a mais para me sentir assim. Melancólico.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

CAFONÁLIA PAULISTANA

Fomos assistir a um concerto - minha mulher e eu - na principal sala de São Paulo, convidados por um dos maiores Bancos do país. Era isso ou assistir à final do Big Brother Brasil... Dentro do estacionamento encontramos um grupo de músicos, vestidos à caráter, sem nenhuma vergonha de utilizar o lugar por onde os espectadores entravam como fumódromo. Ok, a lei que restringia o fumo em prédios públicos ainda não fora sancionada e não havia teto nem parede por ali... O programa, que recebemos logo na entrada, era composto por cinco obras, quatro das quais muito conhecidas.
Ficamos fazendo piadas - minha mulher e eu - sobre alguns aspectos deste tipo de evento. Seus figurinos, o perfil de pessoas que o frequentam. Afinal não era exatamente um concerto para apreciadores de música. Era antes um acontecimento social para clientes de um banco com contas correntes rechonchudas. O programa já refletia isso: Polonaise da ópera Eugene Onegin de Tchaikovsky, a abertura da Carmen de Bizet, o prelúdio das Bachianas nº 4 e, vejam bem, a Marcha Nupcial de Mendelssohn. A única verdadeira novidade era O Boi no Telhado de Milhaud que, entretanto, se caracteriza por ser uma obra fortemente influenciada por ritmos e sons brasileiros.
O patrocinador mostra um vídeo com as diversas manifestações culturais patrocinadas por ele, claro. Alguns excelentes artistas, mas todos consagrados e que não precisariam do dinheiro do banco para sobreviver. Tá bom, tem a Mônica Salmaso que é excelente e não é popular...
Entram os músicos, entra o "spalla", finalmente o maestro e... Ele começa o hino nacional! Está bem, estamos na chuva, vamos nos molhar, temos de ouvir os senhores e senhoras desafinando o hino nacional. Ao final dele, a quase totalidade da sala aplaude. Bom, acho que gostaram. O próprio maestro faz uma breve exaltação à beleza do nosso hino, então ok...
Começa o concerto e eu começo a ficar com uma estranha sensação de que estou sendo doutrinado. As músicas parecem escolhidas a dedo para que eu goste. Sim, eu gosto de gostar das coisas, mas EU GOSTO DE MÚSICA! Não preciso ser doutrinado, amansado. Toca aí uma ária de "Lakmè" do Dellibes! Nada... A Carmen é quase irritante de tão batida. Começa o Prelúdio do Villa-Lobos e minha mulher manda: "Presença de Anita"! Não!!! Salvem-me! Não é a música do Villa-Lobos, mas sim da série da Globo!!! Roubaram o nosso amigo Villa!!!
Na Marcha Nupcial - tocada após um raro momento de ineditismo, quando o maestro contou que ela foi feita para celebrar o casamento de uma fada com um burro, RÁRÁRÁRÁ - eu me arrependi de todos os casamentos aos quais compareci. Na platéia um "frisson"... Só não maior do que o sentido quando foi anunciado o bis e, principalmente, ao final dele. O BIS FOI O CAN CAN!!! Incrivelmente inédito!
Vem cá: é concerto das mais pedidas de todos os tempos por quem não gosta de música clássica??? Tá, eu gosto do Lulu Santos e da Ivete Sangalo, mas ninguém vai à uma sala especial de concerto que custou uma fortuna aos cofres públicos vestido feito um pinguin para ouvir a Ivete e o Lulu! A gente bota no máximo um jeans e uma camisetinha bem básica e olhe lá! Nem canta o hino nacional!!! E o concerto é em parque, ao ar livre! EU QUERO O CARNAVAL DA BAHIA!!! PELO MENOS O PATROCÍNIO É DE CERVEJA!!!
Agora convenhamos: a lei de incentivo à cultura deve sim ser mudada! E que não me venham com esse papo de dirigismo cultural! Vai ver se o povo que faz teatro de qualidade aqui em São Paulo tem patrocínio de banco! Nada! Eles trabalham o ano inteiro com 300 mil e olhe lá!
Eu quero decidir o que fazer com os impostos que todos nós pagamos, sim senhor! E não quero me encontrar com os músicos quando estou saindo da sala de concerto! Que falta de educação! Pareciam loucos para ir embora logo. Mas nisso estávamos iguais: pensámos ambos - nós e os músicos - que queríamos nos livrar, e logo, daquela terrível "cafonália paulistana".

terça-feira, 7 de abril de 2009

PROVOCAÇÕES

Como era de se esperar, o resultado da enquete que Universo de Interesse fez acerca do assunto que menos interessa aos seus leitores dentre os que são aqui abordados foi ESPORTES. E porque era de se esperar? Por que o universo pelo qual este "blogueiro" transita é habitado basicamente por artistas, intelectuais e -digamos - "simpatizantes"... E artistas, intelectuais e "simpatizantes" - pelo menos os que povoam o universo deste "blogueiro" - têm uma verdadeira aversão por esportes. Exceto minha irmã e minha mulher. Mas elas não podem fazer parte desta estatística por motivos distintos - a segunda por que ficou emocionada com a inauguração do blog e na hora de votar optou pelos assuntos que mais a interessam, esporte incluído, e a primeira por que não votou na enquete já que todos os assuntos a interessam, segundo me disse.
Afinal, qual é o motivo que nos leva - a nós artistas, intelectuais e "simpatizantes" - a ter tão pouco afeto pelos esportes? Honestamente não consigo compreender, na medida em que, para mim, esportes e artes e/ou literatura são assuntos... Gêmeos. Primos-irmãos. Para não cometer a suprema heresia de dizer que são, essencialmente, a mesma coisa!
E talvez não valha a pena lembrar aqui de momentos absolutamente épicos que corroboram com esta nossa abordagem do tema, mas ok; que tal lembrarmos o título paulista do Corinthians em 1977 após 23 anos de espera, que forjou em definitivo uma característica de sua torcida - a de ser sofredora e ao mesmo tempo fiel, tendo reflexos 31 anos depois na volta do time à primeira divisão do futebol nacional, após uma queda na qual a multidão bradava "aqui tem um bando de louco/louco por ti Corinthians/e aquele que acha que é pouco/morro por ti Corinthians/eu canto até ficar rouco/canto prá te apoiar/ vamos, vamos meu timão, vamos meu timão/ não pára de lutar"; a seleção brasileira de 1982, pura poesia, pura amargura na derrota diante de uma Itália que na definição de Pier Paolo Pasolini não passaria de uma prosa de esquina, seleção que tinha - além de diversos craques inesquecíveis - um cidadão chamado Sócrates, mais conhecido como Magrão, líder da "democracia corinthiana", uma ilha de ética no fim da ditadura militar, que já tomava sua cerveja - Sócrates, não a ditadura - muito antes do politicamente correto nos tomar de assalto; as lágrimas de Roger Federer após a derrota para Rafael Nadal no Aberto da Austrália de Tênis, com aquele gosto de "deja vu", de que a delicadeza não vai vencer jamais, de que o jeito americano e protestante de ver o mundo vai nos tomar de tal forma que a próxima grande guerra será a de dois fundamentalismos - o ocidental contra o oriental; e há alguns momentos de Ayrton Senna, De Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi, de William, Maurício e Ricardinho, dos negros americanos de punhos erguidos nas Olimpíadas pelo orgulho da raça, de Telê Santana no São Paulo bi-campeão do mundo, do Inter de Falcão...
Mas parece que a arte se divorciou do esporte! A Grécia fazia odes aos seus esportistas enquanto nós temos uma tendência ao escárnio! E de nada adianta citar Nelson Rodrigues: a maioria de nós sabe de cor trechos de "Vestido de Noiva", "Álbum de Família", "Senhora dos Afogados", "Valsa nº 6" e tantas outras, mas quase ninguém conhece o Nelson cronista esportivo. Todos adoramos os existencialistas franceses, mas não entendemos o que há de sartriano na frase "o Fla-Flu nasceu 45 minutos antes do nada". Jamais entenderemos que "qualquer pelada de esquina tem a complexidade de uma tragédia shakespeariana".
No nosso século o único cronista que restou desta estirpe é Armando Nogueira. Ainda que, eventualmente, a academia se junte às esquinas, como é o caso de "Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil", de José Miguel Wisnik (Companhia das Letras, 2008), isso se dá como exceção que comprova a regra: esporte não dá boa literatura.
Não dá mesmo? Será que as partidas de futebol que joguei nos terrenos baldios do Jardim São José, na periferia de Campinas, dividindo espaço com os traficantes e com a malandragem de alta e baixa estirpe não interessam a mais ninguém? As crônicas acerca dos corpos que jaziam em frente à padaria do "Seu" Machado quando madrugávamos para a primeira pelada do dia só fazem sentido para mim?
Entender que eu começava a ascender sócio-economicamente quando minha mãe passou a ser faxineira da fábrica de bolas que se instalara no bairro e me presenteou com bolas de futebol, vôley e basquete, e perceber meu caráter se formando quando eu deixava a bola com os meninos da rua quando minha mãe me chamava para tomar banho no fim da tarde, só emociona a mim mesmo?
Um texto que escrevi há cinco anos e que, como o nome sugere - "Comecei a Morrer" - não é nem um pouco leve, tem um longo capítulo dedicado à uma partida de vôley que, além de ser minha primeira crônica esportiva, é uma amostra definitiva de que o esporte sempre foi, para mim, um delicado alicerce para a construção de afetos. É isso: quando eu amei pela primeira vez, foi através do esporte que soube. Não se pode esquecer de algo assim, não é?

Então, afinal: o que temos contra os esportes?



Beijos e até a próxima.