terça-feira, 7 de abril de 2009

PROVOCAÇÕES

Como era de se esperar, o resultado da enquete que Universo de Interesse fez acerca do assunto que menos interessa aos seus leitores dentre os que são aqui abordados foi ESPORTES. E porque era de se esperar? Por que o universo pelo qual este "blogueiro" transita é habitado basicamente por artistas, intelectuais e -digamos - "simpatizantes"... E artistas, intelectuais e "simpatizantes" - pelo menos os que povoam o universo deste "blogueiro" - têm uma verdadeira aversão por esportes. Exceto minha irmã e minha mulher. Mas elas não podem fazer parte desta estatística por motivos distintos - a segunda por que ficou emocionada com a inauguração do blog e na hora de votar optou pelos assuntos que mais a interessam, esporte incluído, e a primeira por que não votou na enquete já que todos os assuntos a interessam, segundo me disse.
Afinal, qual é o motivo que nos leva - a nós artistas, intelectuais e "simpatizantes" - a ter tão pouco afeto pelos esportes? Honestamente não consigo compreender, na medida em que, para mim, esportes e artes e/ou literatura são assuntos... Gêmeos. Primos-irmãos. Para não cometer a suprema heresia de dizer que são, essencialmente, a mesma coisa!
E talvez não valha a pena lembrar aqui de momentos absolutamente épicos que corroboram com esta nossa abordagem do tema, mas ok; que tal lembrarmos o título paulista do Corinthians em 1977 após 23 anos de espera, que forjou em definitivo uma característica de sua torcida - a de ser sofredora e ao mesmo tempo fiel, tendo reflexos 31 anos depois na volta do time à primeira divisão do futebol nacional, após uma queda na qual a multidão bradava "aqui tem um bando de louco/louco por ti Corinthians/e aquele que acha que é pouco/morro por ti Corinthians/eu canto até ficar rouco/canto prá te apoiar/ vamos, vamos meu timão, vamos meu timão/ não pára de lutar"; a seleção brasileira de 1982, pura poesia, pura amargura na derrota diante de uma Itália que na definição de Pier Paolo Pasolini não passaria de uma prosa de esquina, seleção que tinha - além de diversos craques inesquecíveis - um cidadão chamado Sócrates, mais conhecido como Magrão, líder da "democracia corinthiana", uma ilha de ética no fim da ditadura militar, que já tomava sua cerveja - Sócrates, não a ditadura - muito antes do politicamente correto nos tomar de assalto; as lágrimas de Roger Federer após a derrota para Rafael Nadal no Aberto da Austrália de Tênis, com aquele gosto de "deja vu", de que a delicadeza não vai vencer jamais, de que o jeito americano e protestante de ver o mundo vai nos tomar de tal forma que a próxima grande guerra será a de dois fundamentalismos - o ocidental contra o oriental; e há alguns momentos de Ayrton Senna, De Nelson Piquet e Emerson Fittipaldi, de William, Maurício e Ricardinho, dos negros americanos de punhos erguidos nas Olimpíadas pelo orgulho da raça, de Telê Santana no São Paulo bi-campeão do mundo, do Inter de Falcão...
Mas parece que a arte se divorciou do esporte! A Grécia fazia odes aos seus esportistas enquanto nós temos uma tendência ao escárnio! E de nada adianta citar Nelson Rodrigues: a maioria de nós sabe de cor trechos de "Vestido de Noiva", "Álbum de Família", "Senhora dos Afogados", "Valsa nº 6" e tantas outras, mas quase ninguém conhece o Nelson cronista esportivo. Todos adoramos os existencialistas franceses, mas não entendemos o que há de sartriano na frase "o Fla-Flu nasceu 45 minutos antes do nada". Jamais entenderemos que "qualquer pelada de esquina tem a complexidade de uma tragédia shakespeariana".
No nosso século o único cronista que restou desta estirpe é Armando Nogueira. Ainda que, eventualmente, a academia se junte às esquinas, como é o caso de "Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil", de José Miguel Wisnik (Companhia das Letras, 2008), isso se dá como exceção que comprova a regra: esporte não dá boa literatura.
Não dá mesmo? Será que as partidas de futebol que joguei nos terrenos baldios do Jardim São José, na periferia de Campinas, dividindo espaço com os traficantes e com a malandragem de alta e baixa estirpe não interessam a mais ninguém? As crônicas acerca dos corpos que jaziam em frente à padaria do "Seu" Machado quando madrugávamos para a primeira pelada do dia só fazem sentido para mim?
Entender que eu começava a ascender sócio-economicamente quando minha mãe passou a ser faxineira da fábrica de bolas que se instalara no bairro e me presenteou com bolas de futebol, vôley e basquete, e perceber meu caráter se formando quando eu deixava a bola com os meninos da rua quando minha mãe me chamava para tomar banho no fim da tarde, só emociona a mim mesmo?
Um texto que escrevi há cinco anos e que, como o nome sugere - "Comecei a Morrer" - não é nem um pouco leve, tem um longo capítulo dedicado à uma partida de vôley que, além de ser minha primeira crônica esportiva, é uma amostra definitiva de que o esporte sempre foi, para mim, um delicado alicerce para a construção de afetos. É isso: quando eu amei pela primeira vez, foi através do esporte que soube. Não se pode esquecer de algo assim, não é?

Então, afinal: o que temos contra os esportes?



Beijos e até a próxima.

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