segunda-feira, 28 de junho de 2010

CÂMERA DA LOUCURA



Toda vez que vou à Campinas volto estranho. Mexido. Prefiro sempre sair da estrada e ir direto à casa de minha mãe, sair de lá direto para a estrada, de volta à minha vida, distante de uma série de memórias, quase sempre doídas.

Desta vez, Juliana e eu ficamos no hotel Vila Rica, algo impensável em minha infância e adolescência. Fomos ao parque Taquaral para andar de pedalinho. Não conseguimos. Ao invés disso, os fantasmas me assaltaram.

Aquelas árvores escondem muitas dores, amores frustrados, perdas. Campinas não rima com felicidade.

Segunda feira de ressaca, vontade de ficar em meu canto.

Então fui ver Câmera da Loucura, documentário de Bia Trevisan e Stephany Simoni – Bia filmou e fotografou meu espetáculo no SESC Interlagos há duas semanas e eu estava, há dias, prometendo que veria seu trabalho de TCC, que foi supervisionado pela Professora Doutora Clarete Paranhos, minha irmã.

Menina especial essa Bia. Romântica de dar medo! Lembrei-me de mim em sua idade. Gente assim, veias abertas, portas abertas, estão sempre à volta com dores. Dores suas, dores do mundo, um frio na barriga constante...

É o que se vê em Câmera da Loucura. Um olhar afetivo, gentil, aconchegante sobre a loucura. Assim mesmo, loucura, sem meias palavras, os próprios pacientes se denominam loucos, eles talvez menos do que o resto de nós, sempre buscando uma normalidade inócua, inoperante, pobres que somos, querendo sempre controlar tudo, o tempo inclusive.

Nestas horas lembro-me dos motivos que me tornaram artista. A arte é transgressora e é, acima de tudo, transformadora. Não importa se conseguimos chegar a poucos ou a milhões. O olho do artista é, de algum modo, o olho do louco. É a íris que refaz, revê, transforma. Seja a dos olhos ou a íris da câmera. Como a íris da Câmera da Loucura. Como a loucura da menina Bia que é tudo, menos normal. E isto não é uma crítica...

P.s.: Para ver o documentário digite Câmera da Loucura no youtube. Ele está dividido em duas partes.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

MINHA COPA DE 2006



Em abril de 2005 fomos a Santa Cruz do Rio Pardo, terra de Beto e Umberto Magnani, descer o rio de bóia depois de fazer algumas apresentações do espetáculo pelo interior. Não me lembro mais a que cidades fomos. Talvez meu amigo Paulo Faria saiba. Foi meu último espetáculo com a companhia Pessoal do Faroeste .

É uma experiência impar: o rio calmo, o verde deslumbrante, os pássaros e as cores ao longo de três horas sobre grandes bóias.

Entretanto, naquele ano, o rio deu alguns recados. Sílvia Borges – que sempre se recusara a fazer o passeio por medo das águas turvas e que naquele ano decidiu superar seus receios – caiu no rio logo no começo da descida, sendo salva logo em seguida, o que não diminuiu seu trauma. Era só o começo.

Como éramos muito jovens e muito empolgados, sempre começávamos a descida no meio da tarde, algo inadequado a alguém que, como eu, sente frio rapidamente quando o sol se põe.

Naquela tarde tudo de errado parecia acontecer. Antes da queda da Sílvia uma das bóias extras rompera-se. Mau sinal. Eu, o mais leve de todos, me propus a fazer a descida numa bóia menor – não a de caminhão, como as outras – de forma a não comprometer a descida de nenhum de nós. Descíamos, então, sem nenhuma bóia extra.

Com o passar do tempo e com o frio aumentando, comecei a beber meu cantil de conhaque como forma de tentar me aquecer. O sol se pôs. Ó frio aumentava. A bóia pequena me obrigava a fazer um grande esforço para não bater as costas nas pedras quando passávamos pelas corredeiras. Hipotermia. Não havia mais luz. Eu ficara só. Perdi a consciência...

Quando acordei era noite e eu estava em algum lugar no meio do rio, nada e ninguém ao meu lado. Com as mãos remei até a margem do rio e me agarrei aos arbustos. Era difícil pensar. A bóia rompeu-se em contato com as raízes das árvores. Safei-me do rio. Um breu imenso. Sentei-me e chorei.

Não sei quanto tempo se passou até que ouvi vozes. Três pescadores. Um deles despiu-se para me aquecer. Andamos pela mata até chegar a uma estrada. Consegui dizer o nome do hotel onde estava. No meio do caminho Stella Marini, nossa produtora, surgiu em seu carro. Mais choro. Dormi.

Eu sobrevivera ao rio, à hipotermia, à minha irresponsabilidade. Era um milagre não ter me afogado. Foi a última vez que estive tão perto da morte.

Em julho conheci Juliana. Em outubro fizemos nossa primeira viagem. Em 16 de novembro começamos a namorar. Em 30 de dezembro quebrei o úmero. Em abril de 2006 rompemos – por 20 dias. Em 30 de maio fiz a cirurgia de retirada dos pinos do braço. No meu aniversário de 36 anos fomos ao zoológico.

Nosso primeiro jogo juntos – segundo minha lembrança – foi a partida contra o Japão. Vimos no telão da loja de conveniência do posto que ficava ao lado de minha casa na Pompéia. Eu dera aulas à tarde e daria aulas à noite. Tomei duas smirnoff-ice. O Brasil tomou o primeiro, mas fez quatro na melhor partida do Brasil naquele mundial.

Depois, o Brasil bateu Gana nas oitavas e pegou a França nas quartas, naquele jogo medíocre no qual tomamos o gol de cabeça enquanto o Roberto Carlos ajeitava a meia.

Eu chorei após a derrota, confesso. Mas só Juliana viu. Dormi no sofá depois do jogo. Sim, estava meio “borracho”...

Lembrei-me de Gol Anulado de João Bosco e Aldir Blanc:

Daquele gol até hoje meu rádio está desligado
Como se irradiasse o silêncio do amor terminado
Eu aprendi que a alegria de quem está apaixonado
É como a falsa euforia de um gol anulado

Em meu caso:

Daquele gol até hoje tudo em mim está remediado
Como se ele aplacasse todo o sofrer do passado
Eu aprendi que a alegria de quem é apaixonado
É como a tranqüilidade de quem tem um amor ao seu lado

Brega, né? É. Mas sou feliz.
Será que isso será a tônica de minha história das Copas daqui por diante? O fato de ser feliz finalmente, depois de pensar que eu fora talhado para a tristeza perene, fará com que minhas histórias sejam menos interessantes? As histórias anteriores eram mais profundas? Ser feliz é um desserviço a um artista? Confesso que tenho dúvidas. Mas vou tentar responder a isso nas copas que se seguirem...




A Cia Pessoal do Faroeste está em cartaz com a “Trilogia Degenerada”. Informações e reservas: 11-3362-8883.

domingo, 13 de junho de 2010

MINHA COPA DE 2002


Quando se está no fundo, submerso, é possível ver coisas contraditórias: o azul de tudo ao redor, as cores de todas as criaturas, cavalos marinhos em sua delicadeza estúpida! Acima, uma luz que pode ser a do fim do túnel ou a que nos apresenta o outro lado, o pos mortem – segundo crêem alguns.

Era neste mundo que vivia desde 2000. Emergir era um trabalho lento, dispendioso, confuso, delicado.

Na solidão da casa da Pompéia – que eu mesmo pintei, parede por parede, canto por canto – eu podia ver todos esses seres que povoam a vida de quem tenta encontrar motivos para continuar a dar braçadas, apesar de sentir-se numa espécie de útero, que é o mesmo que “não-vida”, já que anterior a tudo, que é o mesmo que posterior a tudo, que é uma espécie de morte, ainda que mais confortável.

Em meu calendário particular o quarto ano não levava à realização da próxima copa, eu estava, digamos assim, acompanhando o calendário olímpico: o ciclo se iniciara na olimpíada de 2000, em Sidney, quando eu me encontrava só, triste, etc. e chegaria à de Atenas em 2004, época em que eu voltaria e ver o mundo sobre meu mundo particular.

Minha copa de 2002 restringe-se ao jogo contra a Inglaterra, que assisti na casa de Daniel Alvim e Talita de Castro, junto com o Pessoal do Faroeste e à final, contra a Alemanha, que vi em minha casa, outra vez só.

Acontece que dei vexame nas quartas, após o gol da Inglaterra. Comecei a chorar logo, bobo que sou! O gol do Rivaldo com passe do Ronaldinho e o gol de falta deste último aliviaram minha barra, mas eu já havia me exposto, ferida aberta.

Ainda que eu não estivesse particularmente indisposto com o mundo eu choraria, sabia disso. As emoções estavam se confundindo e eu mostrava-me como um fraco do estômago, um despreparado para a vida.

Então decidi: veria a final só. Não iria dar ao mundo a possibilidade de me ver outra vez fratura exposta caso o pior acontecesse contra a Alemanha. Deitado em minha cama no segundo andar da casa da Pompéia, via aquele tubo emissor de luzes, muito parecido com aquele outro que ficava no alto da sala da casa da rodoviária de Campinas, oito anos antes, e era como se aquilo fosse a luz obscura dos suicidas arrependidos.

Nos tempos que viriam algo de bom poderia acontecer outra vez. Não um bom definitivo, claro. Mas bom apenas. Tranqüilo, triste. Mas bom. Meu calendário iria se modificar em breve. Já não seria de quatro em quatro anos para a Copa, tampouco de quatro em quatro anos para as Olimpíadas. O ano seria 2005.

Chorei sem que ninguém me visse. Eu via o Brasil campeão pela segunda vez, lágrimas nublando Cafu levantando a taça. Cafu levantando a taça, eu pensando que era tempo de emergir.

domingo, 6 de junho de 2010

MINHA COPA DE 98


Nós estreáramos “Um Certo Faroeste Caboclo” em janeiro. Foi o espetáculo que significou a inserção de muitos nós, de forma definitiva, no circuito teatral paulistano.

Do Pessoal do Faroeste (que virou nome da Cia, já que cada vez que comparecíamos a uma festa comentava-se que o pessoal do faroeste estava presente) saíram Daniel Alvim, Luciano Gatti, Manoel Candeias, Beto Magnani, dentre outros. Por lá também passamos eu, Lúcia Romano, Marcelo Médici, André Frateschi e, claro, Paulo Faria, que é o único de nós que continua por lá.

Naquele ano de 98 morávamos – Paulo e eu – no apartamento da Rua João Ramalho, em Perdizes, para onde eu me mudara antes de pedir demissão da vídeolocadora 2001 e voltar para a profissão que eu escolhera em 1987.

Foi neste apartamento que Paulo Faria – com sua sem cerimônia – invadia meu quarto para me ouvir tocar e cantar minhas canções ao violão. Também ali, numa de suas inúmeras festas para os exilados paraenses, ele quase me obrigou a mostrar estas canções publicamente.

Destas experiências nasceu a parceria do espetáculo “Um Certo Faroeste Caboclo” , letras e músicas minhas para dramaturgia dele.

Na primeira fase da copa, só me lembro de Brasil X Noruega, jogo que assistimos – Julio Cesar Pompeo e eu – num boteco ali ao lado da PUC (onde estudava Juliana, que eu ainda não conhecia).

Quando terminou o jogo, uma melancolia tomou conta de mim. Um mau agouro aquela derrota. Tomei um Dramin e fui dormir depois de chorar. Acho que o Julio achou um pouco exagerado, mas não falou muita coisa.

Na terça, 07 de julho, tínhamos uma pré-estreia marcada para as 19 horas no Centro Cultural São Paulo. Na semana seguinte à final da Copa faríamos a estréia da temporada que nos marcaria a todos.

Acontece que neste mesmo dia o Brasil pegava a Holanda pela semifinal da copa. Ufa! Vimos o jogo na casa de um dos músicos da banda, o Márcio Nigro. Todos se segurando para não beber já que tínhamos que fazer o espetáculo logo mais.

Acontece que aquela partida foi para matar quem tivesse coração fraco. E, no segundo tempo, a cerveja foi liberada. Quando o jogo foi para a prorrogação pegamos os carros e fomos para o teatro, ouvindo o jogo pelo rádio.

Na disputa de pênaltis o elenco – mais corajoso que eu – ficou no bar do teatro assistindo, enquanto eu ficava lá longe, num dos corredores que davam acesso à sala de espetáculos, ouvindo as comemorações. Soube da vitória quando São Paulo explodiu.

Naquela noite fizemos um espetáculo feliz. Mais do que deveríamos, se é que me entendem...
Na final contra a França ficamos todos alheios ao que estava acontecendo nos bastidores. Aquele enredo de filme noir só seria desvendado depois e aos poucos.

Num apartamento de Higienópolis, meu amigo Gabriel Braga Nunes reuniu familiares e amigos para ver a final. Encontrei com sua mãe - a atriz Regina Braga – dia destes quando eu gravava uma participação numa novela na qual ela certamente será um dos destaques, grande atriz que é, e relembramos este dia.

A cada gol francês eu me posicionava mais próximo da porta já temendo pelo vexame que eu daria se o Brasil perdesse. Quando tomamos o terceiro gol eu saí – desculpem o trocadilho – à francesa e fugi para minha casa, meu quarto, meu sono, do qual só acordei num longínquo dia seguinte, quando as histórias sobre a crise nervosa de Ronaldo já tomavam as manchetes dos jornais.

A despeito do sucesso que faríamos ao longo daquele e dos dois anos seguintes, minha memória é mais intensa quando pensa nas crises nervosas. Não a de Ronaldo, mas as minhas próprias.

Mais de dois anos depois, em outubro de 2000, a maior de todas me levou a um hospital. Eu tinha trinta anos e chegara ao ponto do qual passei a emergir. Naquele momento, entretanto, me era impossível enxergar a superfície.