quinta-feira, 9 de abril de 2009

CAFONÁLIA PAULISTANA

Fomos assistir a um concerto - minha mulher e eu - na principal sala de São Paulo, convidados por um dos maiores Bancos do país. Era isso ou assistir à final do Big Brother Brasil... Dentro do estacionamento encontramos um grupo de músicos, vestidos à caráter, sem nenhuma vergonha de utilizar o lugar por onde os espectadores entravam como fumódromo. Ok, a lei que restringia o fumo em prédios públicos ainda não fora sancionada e não havia teto nem parede por ali... O programa, que recebemos logo na entrada, era composto por cinco obras, quatro das quais muito conhecidas.
Ficamos fazendo piadas - minha mulher e eu - sobre alguns aspectos deste tipo de evento. Seus figurinos, o perfil de pessoas que o frequentam. Afinal não era exatamente um concerto para apreciadores de música. Era antes um acontecimento social para clientes de um banco com contas correntes rechonchudas. O programa já refletia isso: Polonaise da ópera Eugene Onegin de Tchaikovsky, a abertura da Carmen de Bizet, o prelúdio das Bachianas nº 4 e, vejam bem, a Marcha Nupcial de Mendelssohn. A única verdadeira novidade era O Boi no Telhado de Milhaud que, entretanto, se caracteriza por ser uma obra fortemente influenciada por ritmos e sons brasileiros.
O patrocinador mostra um vídeo com as diversas manifestações culturais patrocinadas por ele, claro. Alguns excelentes artistas, mas todos consagrados e que não precisariam do dinheiro do banco para sobreviver. Tá bom, tem a Mônica Salmaso que é excelente e não é popular...
Entram os músicos, entra o "spalla", finalmente o maestro e... Ele começa o hino nacional! Está bem, estamos na chuva, vamos nos molhar, temos de ouvir os senhores e senhoras desafinando o hino nacional. Ao final dele, a quase totalidade da sala aplaude. Bom, acho que gostaram. O próprio maestro faz uma breve exaltação à beleza do nosso hino, então ok...
Começa o concerto e eu começo a ficar com uma estranha sensação de que estou sendo doutrinado. As músicas parecem escolhidas a dedo para que eu goste. Sim, eu gosto de gostar das coisas, mas EU GOSTO DE MÚSICA! Não preciso ser doutrinado, amansado. Toca aí uma ária de "Lakmè" do Dellibes! Nada... A Carmen é quase irritante de tão batida. Começa o Prelúdio do Villa-Lobos e minha mulher manda: "Presença de Anita"! Não!!! Salvem-me! Não é a música do Villa-Lobos, mas sim da série da Globo!!! Roubaram o nosso amigo Villa!!!
Na Marcha Nupcial - tocada após um raro momento de ineditismo, quando o maestro contou que ela foi feita para celebrar o casamento de uma fada com um burro, RÁRÁRÁRÁ - eu me arrependi de todos os casamentos aos quais compareci. Na platéia um "frisson"... Só não maior do que o sentido quando foi anunciado o bis e, principalmente, ao final dele. O BIS FOI O CAN CAN!!! Incrivelmente inédito!
Vem cá: é concerto das mais pedidas de todos os tempos por quem não gosta de música clássica??? Tá, eu gosto do Lulu Santos e da Ivete Sangalo, mas ninguém vai à uma sala especial de concerto que custou uma fortuna aos cofres públicos vestido feito um pinguin para ouvir a Ivete e o Lulu! A gente bota no máximo um jeans e uma camisetinha bem básica e olhe lá! Nem canta o hino nacional!!! E o concerto é em parque, ao ar livre! EU QUERO O CARNAVAL DA BAHIA!!! PELO MENOS O PATROCÍNIO É DE CERVEJA!!!
Agora convenhamos: a lei de incentivo à cultura deve sim ser mudada! E que não me venham com esse papo de dirigismo cultural! Vai ver se o povo que faz teatro de qualidade aqui em São Paulo tem patrocínio de banco! Nada! Eles trabalham o ano inteiro com 300 mil e olhe lá!
Eu quero decidir o que fazer com os impostos que todos nós pagamos, sim senhor! E não quero me encontrar com os músicos quando estou saindo da sala de concerto! Que falta de educação! Pareciam loucos para ir embora logo. Mas nisso estávamos iguais: pensámos ambos - nós e os músicos - que queríamos nos livrar, e logo, daquela terrível "cafonália paulistana".

2 comentários:

  1. Eliseu, ontem me aconteceu uma sensação muito parecida... Estava na estréia de "As centenárias" com Marieta Severo e Andrea Beltrão no Teatro Raul Cortez,e acredite se puder, escrita pelo Newton Moreno... Ali estavam todos a espera de algo nada inédito, artístico ou qualquer coisa parecida. No geral o que era bom era o texto e as atrizes, mas muito mal explorado na encenação e um humor forçado para melhor conduzir o gosto popular, não que seja ruim. Esta foi a sensação, no geral é gostoso assistir etc. Porém algo nada espetacular ou que se pague para ir ver mas que, infelizmente e até pelo contrário, é o que se vende... (O detalhe é que eu não paguei, deixo claro pois se tivesse pago talvez tivesse uma visão menos generosa, rs.)

    Parabéns pelo texto, é de uma análise minuciosa da coisa e de observações bem humoradas, adorei conhecer um pouco mais dessa sensibilidade sempre tão latente em você!
    Quanto à divulgação do blog, faz muito bem, é uma maneira de se posicionar perante as "cafonálias" que a gente ouve e vê por ai, e que cada pessoa que escreve com a sua sensatez faça um... Eu costumo entrar em comunidades de escritores e postar lá umas coisas, é um modo de divulgar seu blog também. Nos sites: recantodasletras e www.autores.com tem coisas muito bacanas, visita lá depois e se cadastra, com certeza terá boas respostas...
    Depois passo aqui de novo e leio mais dos seus textos.

    Abraços!
    Tilene

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