terça-feira, 23 de junho de 2009

MINHA COPA DE 78


No outono de 78, quando se iniciou a da Copa da Argentina com o jogo entre Alemanha Ocidental e Polônia, meus pulmões urdiam silenciosamente um plano nem tão secreto que iria modificar para sempre os rumos da vida de todos em minha família. Não que eu me lembre de sentir algo diferente naquele período. Mas o futuro revelaria que isso seria verdade.

Com oito anos e tendo tido uma primeira infância um tanto quanto conturbada graças a diversos problemas de saúde, eu não tinha uma paixão especial por futebol nem por outro esporte. Primeiro foi a anemia profunda quando tinha um ano de idade. Depois as doenças comuns à idade e, por fim, uma caxumba e uma meningite no surto de 1975, que me deixaram bastante debilitado. Não demorou muito para começar a ter as crises de bronquite, até por que morávamos perto de uma zona industrial muito poluída. Definitivamente não tinha o perfil de atleta...

(Eu era o contrário de meu cunhado, que aparece num filme feito numa Super-8 em algum lugar dos Estados Unidos, jogando futebol com o pai. Eles estão felizes naquela imagem, pai e filho em perfeita comunhão. O menino chuta muito bem, meu sogro está radiante e extremamente orgulhoso. Nada me faria crer que teríamos em comum essa paixão tantos anos depois. Duas famílias tão distintas e tão parecidas na paixão pelo futebol).

O primeiro jogo de copas de que me lembro, portanto, foi o zero a zero com a Espanha. O legal foi assistir na escola e matar aula. Eu estava no segundo ano do ensino fundamental, minha professora era uma megera e minha letra, que era a mais bonita da turma quando eu me alfabetizara, tornara-se um garrancho de dar medo, sabe-se lá por que motivos, haja Freud para explicar. E a professora costumava, nos minutos finais das aulas, eleger um aluno que deveria anotar o nome de quem conversasse. Estes incautos conversadores tinham como castigo escrever dez vezes todas as tabuadas para a aula seguinte. Acontece que o Celsinho, um gorduchinho bem saudável que sentava atrás de mim, resolveu anotar o meu nome quando eu olhei para ele! Maldito Celsinho... Pena que não me lembro do nome da professora. Grande método de educação, hein, “Fessora”? Voltando ao jogo: foi chato. Nenhum gol! Anticlímax completo. Mas melhor do que escrever dez vezes as tabuadas do 1 ao 9...

Depois me lembro da vitória sobre a Áustria. Placar mínimo. Este vi em casa. Naquela casa de paredes verdes, lembra? Onde eu e minha irmã assistimos à final entre Corinthians e Ponte Preta no ano anterior. Dos jogos da segunda fase me lembro do empate sem gols com a Argentina e da vitória sobre a Polônia. Há dois lapsos quanto a estes jogos. Primeiro não me lembro de ter assistido a este último na escola apesar do calendário de 78 me dizer que era um dia letivo. Posso ter esquecido isso de propósito, como uma vingança contra aquele Celsinho injusto... Ou será que já estava com crise de bronquite? Mistério... Outra lembrança estranha: eu jurava que havia sido contra a Argentina que o Zico bateu um escanteio e o árbitro encerrou a partida quando o Brasil fez um gol, mas não é isso o que dizem as enciclopédias... Na verdade foi no jogo contra a Suécia, primeiro do Brasil na Copa. E foi um gol do Zico em escanteio cobrado pelo Nelinho. Criança pode inventar, não é? Afinal, se isso tivesse acontecido contra a Argentina sempre poderia pensar que, caso esta injustiça não tivesse se perpetuado o Brasil teria feito a final contra a Holanda...

Quando a Argentina venceu o Peru por 6 a 0 eu estava em casa, disso tenho certeza. Ainda tive vontade de ver Brasil e Itália. É o único gol de que me lembro como se fosse hoje: aquele petardo do Nelinho em que a bola fez uma curva impossível encerra a copa para mim. Sim, por que no dia da final eu subi a viela que dava para a rua de cima para jogar bola. Eu sabia que a Holanda seria campeã...

(Esta viela tem história. Foi por ela que eu subi para comprar pão pela primeira vez na minha vida sozinho. Eu disse ao atendente que queria um litro de leite e quatro “pons”. O Cara riu e disse que o certo era pães. Eu dei de ombros e pensei: adulto burro, não sabe plural como eu sei... Outra vez meu irmão sumiu de casa e eu fui achar nesta viela uma trilha de pedaços de gesso que ia até a avenida, bem longe. Eu parecia um personagem de João e Maria, sabe? A verdade é que o pobre não estava com o braço quebrado, estava com um pedaço de madeira fincado no braço e aquilo devia doer muito. Com medo, ele fugiu para a casa do padrinho).

Sabemos que a Holanda não foi campeã. A Argentina ganhava seu primeiro título, em casa, para alegria da ditadura militar de lá. De minha parte, o ano de 78 continuaria com uma crise de bronquite que me levou a uma internação de três dias. Eu não sabia, mas os médicos diriam à minha mãe que ela deveria me tirar de Santo André o quanto antes porque eu não sobreviveria muito tempo naquele clima e naquela poluição.

Em dezembro de 78, minha mãe levou a prole para passear em São Vicente. Não sei o que passou pela cabeça dela. Acho que queria que víssemos o mar antes de irmos para o interior. Há fotos deste passeio. As meninas de 18 e 17 anos. Os meninos de 13 e 8 anos. Eu, magrelinho e feliz, com as perninhas enfiadas na areia quase até os joelhos e o corpo pendendo para trás. Era um prenúncio: eu envergara, mas não caíra.

No dia 30 de dezembro, um caminhão baú estacionou em frente ao barraco verde. Entraríamos o ano de 79 em Campinas de onde eu só sairia em 95, depois de ver o Brasil campeão pela primeira vez, quando os pulmões, devidamente restabelecidos, me deixaram urrar minha felicidade plena...

Volto com a copa de 82.

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