sexta-feira, 19 de junho de 2009

NÓS E O IRÃ


Em 1978 eu distribuía, pelas ruas de Santo André, “santinhos” de Cláudio Lembo, candidato da ARENA ao senado federal. Eram tempos de distensão, estávamos às vésperas da anistia e voltávamos, aos poucos, ao exercício do voto. Eu tinha oito anos e achava o nome do partido da ditadura o máximo. Que bela pode ser a inocência.

No ano seguinte, o Brasil e o mundo seriam varridos por acontecimentos importantes. No ABC paulista, houve uma intensificação das greves dos trabalhadores da indústria metalúrgica e o surgimento de um importante líder operário. No Irã, islâmicos xiitas liderados pelo aiatolá Khomeini derrubam a monarquia autocrática pró-ocidente do Xá Reza Pahlevi e fundam uma república teocrática islâmica.

De minha parte, só comecei a ter alguma consciência política a partir do engajamento de minha irmã nas reuniões do Partido dos Trabalhadores, fundado em 10 de fevereiro de 1980.

Mais ou menos nessa época, minha irmã e sua turma de petistas decidiram se auto-intitular Xiitas. Era com orgulho que o faziam. Tratava-se de frisar ao mundo que eles tinham postura idêntica àquela turma do Irã revolucionário. Não ao ocidente, não aos Estados Unidos, não à pseudo democracia elitista. Sim à liberdade de credo, sim à volta às raízes.

Da mesma forma que os iranianos tinham o direito de se libertar da monarquia pró-ocidente, nós tínhamos o direito de nos libertarmos da ditadura e do capitalismo sem limites. Os iranianos tinham direito à sua escolha pelo islamismo e o ocidente que se lascasse com sua mania de querer catequizar a todos. As massas tinham direito a seu fortalecimento. A revolução islâmica do Irã era a versão oriental para a revolução francesa. Naquele momento histórico para as massas oprimidas, todos nos tornávamos “Xiitas”.

Com o tempo, passamos a utilizar o termo para designar toda a forma de radicalismo, mas ainda assim era um termo usado com orgulho. Sou radicalmente a favor da defesa das diferenças, sou Xiita a este respeito. Sou radicalmente a favor da emancipação feminina e, neste sentido, sou Xiita. Nenhum negro deveria ter piores oportunidades do que um branco e somos Xiitas quanto a isso. Minha irmã e eu somos, definitivamente, Xiitas. Minha amiga Sílvia Borges é Xiita, ela também vítima da ditadura militar.

O problema é que as páginas dos jornais me confundem. Talvez as coisas sejam um pouco mais complicadas para cérebros tão cartesianos quanto o meu. Não quero falar por minha irmã e por minha amiga Sílvia Borges. O que aconteceu com o regime que defendíamos para o Irã, contra o império Estadunidense e que nos fazia nos autodenominar orgulhosamente de Xiitas? Onde é que foi parar nossa aposta na liberdade? Perdemos o bonde da história?

Há trinta anos éramos jovens e acreditávamos em muitas coisas, tínhamos sonhos, a anistia nos apontava para o futuro, o Irã nos apontava para o futuro, o PT nos apontava para o futuro e o futuro é uma manchete de jornal que diz que Lula apóia a reeleição de Ahmadinejad a despeito de que todos os fatos nos levam a crer que o que estamos vendo é o recrudescimento de um regime que já estava longe de ser a utopia que sonhamos quando nos autodenominávamos Xiitas.

Estamos tomando um tombo retórico. Éramos radicalmente contra as opressões e neste caso se enquadram regimes como a ditadura militar brasileira, a direita fundamentalista de George W. Bush, o comunismo soviético e o cubano e a teocracia dos aiatolás. Afinal, somos a favor do que então, se tampouco podemos contar com utopias?

Vivemos no limbo entre a utopia e a distopia, entre o lembrar e o esquecer, entre o sonho e o pesadelo, entre o ontem e o amanhã. Hoje. E hoje não está nada bom. Os românticos é que tinham razão: quanto mais longe da inocência mais longe da felicidade. Que saudades de entregar santinhos do Cláudio Lembo.

P.S.: Nos próximos artigos vou tratar de Copas do Mundo. Para fugir do hoje.

Um comentário:

  1. Bem, o xiitismo é a posição apodítica sobre tudo, eu costumo dizer: Eu só sei que nada sei. Como o grego corinthiano de outrora. Ora, não em um sentindo de me abster de qualquer posicionamento, mas de não ter certeza e desconfiar mesmo das certezas, menos hiperbólico que Descartes, mas, só um pouquinho.
    O meu lema é se é certeza, desconfie.

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