quinta-feira, 26 de agosto de 2010

PT: 30 ANOS

Um trecho de meu último artigo (sobre a "ameaça" de permanência do PT no governo federal) provocou alguma controvérsia. Talvez a coisa venha do fato de que a ironia que tentei construir unindo Cazuza ao PT não tenha ficado clara. Pois explicitemo-la.

Aquele foi um dos mais radicais-rebeldes-artistas do século passado e importante personagem para a viabilização de uma contundente militância gay no país, ao assumir sua homossexualidade e sua condição de doente de AIDS num momento em que ninguém ousava fazê-lo.

Este foi uma radical promessa progressista, um verdadeiro renascimento da esquerda nacional, ainda sob a ditadura militar e num país no qual a participação de trabalhadores na política era próxima de zero desde sempre.

Cazuza morreu em 1990, sem que seu legado estivesse claro. O PT deixou de ser promessa graças à sua ascensão ao poder, deixou de ser radical após a queda das utopias comunistas e de diversas derrotas eleitorais, deixou de ser um partido de trabalhadores na acepção plena da palavra e deixou de ser progressista depois que se tornou situação.

Mas em 90 o PT era mesmo uma ameaça. Os banqueiros tinham medo de uma possível vitória eleitoral do partido dos trabalhadores, a elite tinha medo, a Rede Globo tinha medo, dizem que até os americanos tinham medo. A Regina Duarte, muitos anos depois, ainda tinha medo.

Hoje, o PT não significa ameaça alguma. Não significa ameaça real de profunda distribuição de renda, não é ameaça de reforma agrária, não é ameaça de uma bem-vinda tributação de grandes fortunas. Deixou de lado o discurso acerca do “default” no pagamento da dívida externa e nem pensa em diminuir o “superávit” primário. Não defende seriamente a descriminalização do aborto - bandeira histórica do movimento feminista ao qual o partido esteve historicamente ligado.

O PT não ameaça o status-quo na medida em que não trabalha efetivamente em prol do casamento e de outros direitos inalienáveis da minoria homossexual. Não trabalha com o afinco digno de um partido de esquerda pelo acesso universal à saúde, à cultura e à educação, pelo voto facultativo, pelo alistamento militar voluntário e não obrigatório, pela reforma eleitoral e tributária, pela transformação radical da lei Rouanet para que ela garanta a nós artistas (e não apenas a artistas consagrados) acesso a meios de produção cultural minimamente democráticos.

Deixou de ser comunista, abandonou o socialismo, flerta com um arremedo de social-democracia. O PT não é ameaça nenhuma. Transformou-se em um partido como todos os outros.

Isso não significa que eu não veja um país melhor nos últimos oito anos de governo petista. Pela primeira vez o executivo voltou seus olhos para a população de baixa renda que nunca teria condições de "aprender a pescar sozinha", como dizem alguns. Ora, em determinados graus de pobreza só se pensa em comer, não me venham com esse papo de assistencialismo, da mesma forma que não engulo esse papo de dirigismo cultural. Vejam a cidade de São Paulo e sua Lei de Fomento ao Teatro. Só se faz teatro com a qualidade que temos aqui graças a um certo assistencialismo, e ainda bem que temos esta lei!

Há opções melhores que o PT? Minha resposta é não. José Serra paga o preço da soberba aristocrática típica do PSDB e de sua – de Serra - falta de coragem de tentar se posicionar ao menos um pouco à esquerda do que o governo Lula e o de FHC se mantiveram, o que, convenhamos, não seria difícil.

Marina Silva, apesar de muitas boas intenções, é uma senhora evangélica que não admite os direitos mais elementares dos homossexuais e das mulheres. Como me contentar com um discurso que privilegia o meio ambiente?

Serra é do partido que se alinhou ao DEM, antigo PFL (no tempo de FHC). Dilma herdou de Lula o partido outrora mais progressista do país, agora amigo íntimo do PMDB, só para citar uma das sanguessugas que formam a coalizão governista. Marina entrou para o PV e deve deixar Gabeira corado de vergonha, bem ele que já lá na década de 70 defendia direitos civis dos homossexuais. Só falta chamar o Papa para um evento público de queima de camisinhas, ora poupem-me.

Sim, estou mais careta. Dormir de meia, entretanto, não causa mal nenhum a não ser a mim mesmo (e à minha mulher, se ela detestar este hábito). Talvez não tenha fôlego para fazer política. Acontece que não sou nem nunca fui político. Sou um homem das artes e, como tal, continuo pensando em como fazer uso delas para transformar as coisas ao meu redor, em como trazer um pouco de rebeldia à minha própria caretice.

Quanto aos políticos, principalmente aos que me prometeram um Brasil mais alinhado com um mundo progressista, estes não estão mais caretas. Estão cada vez mais indecentes e mais cínicos.

E convenhamos, o que é mais imoral: ter uma orientação sexual diferente da maioria, querer ter direito ao aborto legal ou isto aí em cima?

Com a palavra, vocês...

P.s.: Caso Dilma Roussef realmente vença a eleição, ficarei muito feliz por ver uma mulher Presidente da República. Da mesma forma espero que em pouco tempo possam jogar em minha cara o fato dela ter, finalmente, realizado projetos alinhados à plataforma de esquerda que fizeram do PT a minha esperança. Prefiro ser chamado de ignorante político a admitir que meu pessimismo transformou-se em realidade.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

20 ANOS SEM CAZUZA

"Se você quer saber como eu me sinto/
vá a um laboratório ou a um labirinto/
seja atropelado por este trem da morte/
vá ver as cobaias de deus/ andando na rua, pedindo perdão/
vá a uma igreja qualquer pois lá se desfazem em sermão..."

Música da última safra, quando seu corpo e sua voz já estavam se esvaindo, Cobaias de Deus foi uma parceria com Angela Rô Rô. Repleta de imagens desesperadoras e desesperadas, era uma despedida que dialogava com o lado "blue" de Cazuza.

"Eu não sei o que meu corpo abriga
nestas noites quentes de verão
e nem me importa que mil raios partam
qualquer sentido vago de razão
Eu ando tão down
Eu ando tão down
Outra vez vou te cantar vou te gritar
te rebocar do bar"

Aquela visão amplamente aceita segundo a qual Cazuza era só mais um garoto mimado da zona sul carioca nunca me convenceu. Havia sim o lado "exagerado", mas era a faceta que maquiava a alma atormentada, complexa, desfocada, para o bem e para o mal. Ninguém adota aquela persona displicente à toa.

O cara não devia gostar muito do que via no espelho (tempos depois Renato Russo escreveu que "nos deram espelhos e vimos um mundo doente"). Depois de ver a ditadura militar chegar ao fim e de passar toda a década de 70 fazendo amor como nunca se fizera, repentinamente as pessoas começavam a morrer de uma doença estranha que aniquilava, preferencialmente, aqueles que faziam apologia do amor livre. Parecia uma maldição, um castigo!

Não sei se coincidentemente ou não, os poucos que sobreviveram se viram obrigados a "encaretar". Ok, há a idade, não se pode viver uma vida toda de excessos. Afora as drogas e o álcool e a vida desregrada, não haveria um lugar para os rebeldes mesmo no mundo adulto?

Vejam a Ângela Rô Rô, parceira de Cazuza em "Cobaias de Deus". "Encaretou"? Parece. Andou escrevendo:

“É o que pulsa o meu sangue quente
É o que faz meu animal ser gente
É meu compasso mais civilizado e controlado
Estou deixando o ar me respirar
Bebendo água prá lubrificar
Mirando a mente em algo producente
Meu alvo é a paz!”

A diferença para os idos de oitenta é imensa! Controlar o animal, beber água, mirar a mente em coisas producentes, quanta civilização! Já antes:


“Amor, meu grande amor
Só dure o tempo que mereça
E quando me quiser
Que seja de qualquer maneira...”


Ou para citar Milton Nascimento e Caetano Veloso, outros que “encaretaram”:


“Eles se amam de qualquer maneira a vera
Eles se amam é pra vida inteira a vera
Qualquer maneira de amor vale a pena
qualquer maneira de amor vale amar”


Eu, de minha parte, "encaretei". E não sei se isso é bom ou ruim. O que sei é que tenho o perfil do "tiozinho", educador, artista comportado, "mainstream"... Até casei! Durmo de meia!


E Cazuza, como estaria agora, quando o PT vai fazer oito anos de governo com sérias ameaças de permanecer mais quatro, ao menos. Ele cuspiria na bandeira como fez no "Rock'n'Rio"? O que ele diria da Igreja Católica ser contra o uso da camisinha, contra o aborto e a união civil e a adoção por casais homossexuais?


Saudades de um pouco de rebeldia...


E você? Tem visto alguma rebeldia legal por aí?