quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sócrates

Quando o Corinthians ganhou o campeonato paulista de 77 minha irmã mais velha e eu assistimos àquela final numa pequena sala que servia também de quarto dos filhos do casal. Era uma casa de madeira em Santo André.

Junto da TV que exibia imagens em preto e branco, inúmeros livros, muitos dos quais ainda hoje compõem a imensa biblioteca de minha irmã que ocupa boa parte do apartamento de um dormitório que ela comprou no centro da cidade de Campinas com o dinheiro de uma vida dedicada à educação.

Ao fim do jogo, naquele longínquo campeonato, nos deitamos repetindo: "Boa noite corintiana", "Boa noite corintiano"...

Só me lembro de Sócrates jogando pelo meu time dois anos depois, mas a mística de minha paixão pelo time começou naquela final de 77, que na verdade foi disputada em 78.

Fomos para Campinas, tomei gosto por futebol e, magrelo que sempre fui, fui jogar na meia direita, chamado de Magrão. Orgulho. Minha irmã embarcou no sonho da esquerda e, talvez em função da imensa admiração que sempre tive e sempre terei por ela, também embarquei.

Neste contexto, Sócrates era O exemplo. Rebelde, libertário, fiel às suas próprias contradições, herói íntegro - que também seria trágico. A Democracia Corintiana, embora alguns insistam em chamá-la de anarquia, era uma novidade na medida em que tencionava tirar o jogador de futebol - o grande artista da maior paixão brasileira - da mesmice despolitizada. Conectava-se ao movimento das Diretas-Já e parecia impulsionar o país para um futuro promissor.

O futuro não foi tão promissor assim e é preciso uma dose enorme de boa vontade para acreditar que esse horizonte se modificará nas próximas décadas.

Ao contrário do que queríamos eu, Sócrates e minha irmã, o sonho de democratização do acesso universal à educação, da valorização do professor como formador da alma de uma nação, está longe de se realizar, 30 anos depois da Democracia Corintiana.

Para além da profissão de jogador de futebol – que sempre foi a única saída para a maior parte dos párias sociais que não encontrarão outra forma de ascensão - em cada esquina encontram-se meninos e meninas que juram que conseguirão ascender socialmente tornando-se celebridades.

Muito diferente do Magrão que, ultimamente, mesmo antes da cirrose, passou a usar uma bandana na cabeça como forma de tomar posição contra os ataques homofóbicos que tomam conta de nossas cidades.

Enquanto isso a cultura e as artes estão às moscas. As coisas andam sem graça... Bem sem graça.