sexta-feira, 7 de maio de 2010

MINHA COPA DE 94

Em 1994 eu estava tentando entrar no mercado de trabalho depois que a paixão pela academia se dissipara definitivamente. Na UNICAMP eu migrara para as estéticas populares a despeito do imenso preconceito que a academia tem por estas manifestações.


Esta opção tivera início também em uma decepção. Quando, aos 17 anos, eu conheci Luís Otávio Burnier, tive certeza de que o teatro antropológico seria o meu caminho. Mas Burnier morreu muito jovem quando eu já não era seu discípulo. Ainda me lembro de Jésser, Renato, Cristina e outros colegas de turma sentados na escadaria do cemitério logo após seu sepultamento, órfãos, sós, perdidos.


Meu diploma universitário fora pisoteado no chão do ginásio de esportes da UNICAMP num longínquo dezembro de 1992, num sintoma do que aconteceria nos anos que se seguiriam.


Aquele, de copa, se iniciara com a abertura da sede do Teatro Zelândia no casarão em frente à antiga rodoviária de Campinas, o mesmo casarão onde eu procurara a Lisete em 90 quando soube da morte da Verinha.


Numa parte do casarão passamos a morar Rogério - que tornara-se membro do grupo - e eu. Na outra, ficava a sede da Cia. Eu trabalhava quase o tempo todo. Foi meu período "workaholic". Foi numa daquelas madrugadas que eu escrevi minha adaptação de "Giovanni", de James Baldwin, na máquina de escrever "Brother" que eu comprara na "Sears" no ano anterior.


Só usava transporte coletivo, exceção feita aos taxis (numa destas vezes eu contratei um em São Paulo para me levar à Campinas depois de ter uma das muitas discussões estético-ideológicas com meus melhores amigos-inimigos Rogério e Pedro). Às vezes eu saia de Campinas às 5 da manhã, chegava à Sâo Paulo muito cedo e pegava os mais diferentes transportes públicos para chegar às 8 horas em alguma reunião nas empresas que contratavam nossos serviços.


Já não jogava vôlei, futebol, basquete, nada. Só fumava, tomava café e trabalhava. Não namorava também. Não sei se por falta de tempo, por medo, por falta de pretendentes...


Em julho Rogério foi para o Rio e o casarão silenciou com as férias e com a Copa. Passei o dia 14 de julho, aniversário de dez anos da morte de Wagner, só. Três dias antes da final da copa. Mau agouro...


Aos 24 anos eu nunca vira a seleção brasileira campeã. Já estava me acostumando à minha má sorte. Julho nunca era fácil. Os meus melhores sonhos não estavam se realizando. Lá, naquele escritório que se transformava em sala da minha casa, diante da ausência de meus colegas de grupo, assistia, deitado no chão, à TV colocada num suporte alto àcima da porta que levava à cozinha.


Segundo esta perspectiva, a copa ficava quilômetros acima de mim, num lugar repleto de éter, de falta de ar, de sensação de aperto, de mundo de sonho ou pesadelo.


O chão frio e a TV mostrando um sol escaldante em algum lugar muito ao norte onde meu irmão estava. Estaria ele no estádio, ele que migrara há pouco para Los Ângeles e deveria ter muita saudade de nossas coisas, do Corinthians, da periferia de Campinas?


Aos 24 anos uma taquicardia incomensurável. Sensação de morte iminente. Solidão terrível. Medo do fracasso. Medo de que os sonhos estivessem se distanciando. Medo de que os maiores pesadelos surgissem outra vez à minha frente.


O que se somaria ao fim da meninice de 82, ao pranto que escondia os primeiros amores frustrados de 86, ao desprezo arrogante de quem tem tudo pela frente em 90?


E era árido aquele campo de batalha. Era mesquinho e covarde por tudo de ruim que nos acontecera. Era de um medo apavorante e paralisante. De quem poderia perder tudo outra vez.


Foi assim que não pudemos ter a responsabilidade final pelo nosso destino. Foi o outro que fez por nós. Baggio perdeu o pênalti.


Isso posto, tudo de bom se colocava diante de mim, diante de nós. Era o duplo fim do "complexo de vira-latas". Meus sonhos se realizavam, era possível ser feliz. Agora eu não precisaria mais me contentar com o medíocre. O Brasil renascia.
Nos anos seguintes, minha revolução particular criou-se e nutriu-se. Em outubro de 95 eu deixei a Cia funcionando a plenos pulmões em Campinas e fui dirigir um espetáculo de Cuiabá. Voltei quebrado, gastei tudo que havia guardado. Frustração? Sim. Medo? Nunca.
Eu queria que a Cia se mudasse para São Paulo, queria experimentar o profissionalismo aqui, onde tudo acontecia. Meus pares não quiseram, vim só. Foi em 96, mesmo ano em que voltei a namorar. Quase casei!
Ok, não casei, mas quem se importava? Ninguém poderia mais nos segurar, éramos imbatíveis segundo minha perspectiva. Eu empatara sem gols com a vida, mas vencera nos pênaltis quando o mundo, num sinal de fraqueza, compreendeu meu recuo estratégico e viu, no fundo dos meus olhos, o animal ferido no qual eu me transformara.

Um comentário:

  1. Ei, Eliseu... que prazer em lê-lo-sabê-lo através de seu blog.. e tbém feliz com a lembrança... vamos, sim, nos encontrar em SP ou Cps... abraços, querido, e bom final de semana. Jesser.

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