Em abril de 2005 fomos a Santa Cruz do Rio Pardo, terra de Beto e Umberto Magnani, descer o rio de bóia depois de fazer algumas apresentações do espetáculo pelo interior. Não me lembro mais a que cidades fomos. Talvez meu amigo Paulo Faria saiba. Foi meu último espetáculo com a companhia Pessoal do Faroeste .
É uma experiência impar: o rio calmo, o verde deslumbrante, os pássaros e as cores ao longo de três horas sobre grandes bóias.
Entretanto, naquele ano, o rio deu alguns recados. Sílvia Borges – que sempre se recusara a fazer o passeio por medo das águas turvas e que naquele ano decidiu superar seus receios – caiu no rio logo no começo da descida, sendo salva logo em seguida, o que não diminuiu seu trauma. Era só o começo.
Como éramos muito jovens e muito empolgados, sempre começávamos a descida no meio da tarde, algo inadequado a alguém que, como eu, sente frio rapidamente quando o sol se põe.
Naquela tarde tudo de errado parecia acontecer. Antes da queda da Sílvia uma das bóias extras rompera-se. Mau sinal. Eu, o mais leve de todos, me propus a fazer a descida numa bóia menor – não a de caminhão, como as outras – de forma a não comprometer a descida de nenhum de nós. Descíamos, então, sem nenhuma bóia extra.
Com o passar do tempo e com o frio aumentando, comecei a beber meu cantil de conhaque como forma de tentar me aquecer. O sol se pôs. Ó frio aumentava. A bóia pequena me obrigava a fazer um grande esforço para não bater as costas nas pedras quando passávamos pelas corredeiras. Hipotermia. Não havia mais luz. Eu ficara só. Perdi a consciência...
Quando acordei era noite e eu estava em algum lugar no meio do rio, nada e ninguém ao meu lado. Com as mãos remei até a margem do rio e me agarrei aos arbustos. Era difícil pensar. A bóia rompeu-se em contato com as raízes das árvores. Safei-me do rio. Um breu imenso. Sentei-me e chorei.
Não sei quanto tempo se passou até que ouvi vozes. Três pescadores. Um deles despiu-se para me aquecer. Andamos pela mata até chegar a uma estrada. Consegui dizer o nome do hotel onde estava. No meio do caminho Stella Marini, nossa produtora, surgiu em seu carro. Mais choro. Dormi.
Eu sobrevivera ao rio, à hipotermia, à minha irresponsabilidade. Era um milagre não ter me afogado. Foi a última vez que estive tão perto da morte.
Em julho conheci Juliana. Em outubro fizemos nossa primeira viagem. Em 16 de novembro começamos a namorar. Em 30 de dezembro quebrei o úmero. Em abril de 2006 rompemos – por 20 dias. Em 30 de maio fiz a cirurgia de retirada dos pinos do braço. No meu aniversário de 36 anos fomos ao zoológico.
Nosso primeiro jogo juntos – segundo minha lembrança – foi a partida contra o Japão. Vimos no telão da loja de conveniência do posto que ficava ao lado de minha casa na Pompéia. Eu dera aulas à tarde e daria aulas à noite. Tomei duas smirnoff-ice. O Brasil tomou o primeiro, mas fez quatro na melhor partida do Brasil naquele mundial.
Depois, o Brasil bateu Gana nas oitavas e pegou a França nas quartas, naquele jogo medíocre no qual tomamos o gol de cabeça enquanto o Roberto Carlos ajeitava a meia.
Eu chorei após a derrota, confesso. Mas só Juliana viu. Dormi no sofá depois do jogo. Sim, estava meio “borracho”...
Lembrei-me de Gol Anulado de João Bosco e Aldir Blanc:
Daquele gol até hoje meu rádio está desligado
Como se irradiasse o silêncio do amor terminado
Eu aprendi que a alegria de quem está apaixonado
É como a falsa euforia de um gol anulado
Em meu caso:
Daquele gol até hoje tudo em mim está remediado
Como se ele aplacasse todo o sofrer do passado
Eu aprendi que a alegria de quem é apaixonado
É como a tranqüilidade de quem tem um amor ao seu lado
Brega, né? É. Mas sou feliz.
Será que isso será a tônica de minha história das Copas daqui por diante? O fato de ser feliz finalmente, depois de pensar que eu fora talhado para a tristeza perene, fará com que minhas histórias sejam menos interessantes? As histórias anteriores eram mais profundas? Ser feliz é um desserviço a um artista? Confesso que tenho dúvidas. Mas vou tentar responder a isso nas copas que se seguirem...
A Cia Pessoal do Faroeste está em cartaz com a “Trilogia Degenerada”. Informações e reservas: 11-3362-8883.
Eliseu,
ResponderExcluirmania essa que temos de ficar nos desculpando quando estamos felizes! Acho sim que podemos ficar mais bregas por isso. Mas e daí? Talvez seja também essa coincidência (?) de estarmos felizes já na nossa maturidade. Assim, fica a dúvida se estamos bregas por estarmos felizes ou porque a maturidade vai nos trazendo um quê de "caretice. Sei lá, não sei. Só sei que gosta de estar feliz, brega, careta ou qualquer outra coisa...
que louca essa histórias com os pescadores....
ResponderExcluireles foram seus anjos!
Keila