quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

PORTO PRÍNCIPE



Minha alma crioula passeia atordoada pelas ruas devastadas de Porto Príncipe. A poeira, a destruição e o medo misturam-se ao cheiro de morte e dor.

A miséria – que já era tanta! – aumenta a cada passo, a cada olhar, a cada pele negra e pobre, a cada feição assustada.

Eu sou Porto Príncipe nas noites que virão, na desesperança incessante, na crença de que o deus da morte fez morada por lá.

Sou o castigo do deus da morte e sua crueldade, seu humor estranho, dantesco, sádico.

Minha alma crioula vai se encontrar com os santos protetores de Porto Príncipe e eles me mirarão com aquele semblante de quem diz que avisou que isto me aconteceria.

A cada amanhecer, Porto Príncipe será uma mãe vingativa dizendo num tom grave e quase surdo que deveríamos ter sido bons meninos para que não sofrêssemos as conseqüências.

Quererei ser órfão destas coisas quando olhar ao meu redor e me certificar de que a destruição é ainda maior do que pensei, do que sonhei em meus pesadelos mais recônditos.

E serão negros e mulatos e crioulos como eu aqueles que mais sentirão dor nas noites de Porto Príncipe.

Não rezaremos, não oraremos, lançaremos nossa tristeza pelos cantos, misturaremos nossas lágrimas com o pó que ainda irá subir por muitos dias pelos dias que virão em Porto Príncipe.

O branco do palácio, o rosa do edifício ali à esquerda, as cores todas misturadas à melancolia de todas as coisas que nos rodearão, tudo muito amalgamado à pobreza de antes, à desolação de sempre, à esperança de nunca. Nunca.

Nossas mãos tocarão as pedras de Porto Príncipe, nós as empilharemos usando nossas lágrimas para molhar o cimento. Sabemos que é o único edifício que permanecerá.

Todos os corpos sobreviventes estarão pintados pela clareza do pó que permanentemente subirá de Porto Príncipe nos dias que virão.

Enfim, quando o mundo voltar a ver-nos crioulos como antes, poderá esquecer-se, já que só Porto Príncipe pode suportar por tanto tempo o esquecimento perene de todas as nações.

2 comentários:

  1. Luto. Porto Príncipe...do Principe das Trevas que devora tudoque encontra pela frente... Diante de tantas baixas, temso que nos unir ( os de bons coração e de boa fé) e agir, com palavras, gestos, movimentos. Irmãos precisam neste momento ouvir e receber nosso apoio.

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  2. Que tristeza!! Precisou esta catástrofe para lembrarmos que este pobre país existe!!

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