terça-feira, 12 de maio de 2009

MARIA ALICE

Era março de 1981. Eu tinha dez anos e iniciava a quinta série. Era a primeira aula numa fase em que passávamos a ter muitos professores. Escola Estadual Professor Carlos Francisco de Paula no Bairro Cidade Jardim, em Campinas. Todos estávamos apavorados. Eu estava, ao menos. Em minha lembrança, entretanto, o mês era abril. Ela nos esperava junto à porta da sala de aula para nos receber, sorrindo. O menino que eu fui cita a música: "Nossa velha amizade nasceu/de uma luz que acendeu/aos olhos de abril/com cuidado e espanto eu te olhei/no entanto você sorriu/concedendo-me a graça de ver/talhada em você/a nobreza de frente/o amor se desnudando no meio de tanta gente/um doce descascado prá mim/eu guardo pro fim/prá comer demorado/uma grande amizade é assim/dois homens apaixonados/e sentir a alegria de ver/ a mão do prazer/acenando prá gente/o amor crescendo enfim/como capim pros meus dentes".

De fato ela sorria e naquele dia eu comecei a amá-la. Não imagino quantos anos tinha Dona Maria Alice, tampouco quantos anos tem hoje. O que sei é que desde então eu a tenho em minha memória. E não foram poucos os conflitos. Eu fui um menino terrível. Tinhoso. Arrogante por vezes, mesmo sem saber ao certo o quanto eu era inteligente. Imagino que também era apaixonante. Sem falsa modéstia. Ela me apresentou o teatro. Me estimulou a escrever e a ler. O músico que sou também deve muito à ela.

Acabo de ter notícias dela. Aposentou-se. Tem três netos e mais dois vindo. Tem acompanhado este blog. Vou vê-la um dia destes. Quantos têm o privilégio de reencontrar alguém tão importante?

Maria Alice já não era mais minha professora quando nos chamou - a mim e a alguns amigos de escola - à sua casa para conversar conosco acerca do que sentíamos quando Wagner morreu. Era meu melhor amigo. Por muitos anos não houve ninguém tão importante para mim quanto ele. Foram precisos muitos anos de análise para compreender esta dor, esta perda. Ela soube, desde o início, dar importância aos meus sentimentos com relação àquela perda. Mesmo que não saiba ainda.

Na verdade apenas quando comecei a amar Juliana, minha mulher, 21 anos depois, é que pude, finalmente, superar a dor daquela perda. Ninguém, afora minha analista - obrigado Adriana! - e minha mulher sabem o que senti em 14 de julho de 1984. Agora Maria Alice também sabe. De qualquer forma ela me cuidou um pouco em agosto daquele fatídico ano.

Poucas são as pessoas que significam tanto para mim. Claro: há minha mãe, minhas irmãs, Juliana - meu amor maduro - e alguns poucos e bons amigos. Mas alguém que tão pouca responsabilidade poderia ter... Na verdade acho que quem nos educa DEVERIA ter este tipo de responsabilidade. Mas há uma grande diferença entre o DEVER e o PODER. Ou o QUERER.

Juliana conta algumas histórias sobre uma professora que foi importante para ela. Será que todos temos alguém especial assim? Será que prestamos as homenagens necessárias a estas pessoas? Reclamamos tanto - eu mesmo já fiz isso neste espaço - mas, será que nos lembramos daqueles que foram importantes para nossa formação?


Dividam comigo - conosco - suas experiências a esse respeito.


Abraços.

6 comentários:

  1. claudete paranhos da silva12 de maio de 2009 às 17:31

    fiquei imprecionada com tanta exatidaõ dos fatos. voltei ao passado com se fosse hoje; exatamente hoje! se bom ou mau;que bom podermos lembrar de coisas boas ou ruins, mas que definitivamente faz parte de nossa vida.principalmente quando temos personagens taõ significativos dentro da história. de fato é muito bom poder contar com esses que nada mais é que heróis em nossa vida. seja mãe, professor,irmã. quem sabe um dia eu serei personagem importante para alguém. um abraço!

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  2. Querida Kau: Você já é personagem importante. Senão para outras pessoas, para mim. Tenho muito orgulho de você. Um beijo.

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  3. Nossa... que vontade de ouvir mais! Lindas palavras! Eu até imagino você cantando..

    Eu tenho certeza que todos tem um "alguém" especial para lembrar, mas não são todos que fazem essa reflexão e demonstram tamanha adoração!
    Tenho recordação da minha professora do pré... (jardim, não sei como falam ai)! Lembro de todos os professores, mas dedico uma atenção maior àqueles aos quais eu chamo de MESTRE!E você, Eliseu, certamente é um deles!
    Que felicidade poder reencontrar a todos e dizer o quanto foram e são fundamentais para a minha formação!
    Agradecer é pouco! Eu idolatro e, mesmo longe, sempre lembro com muito carinho!
    Obrigada por ser simplesmente você!
    Um beijo, Daiane Basso

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  4. Querida Daiane: Que bom saber que, de alguma forma, ainda estamos em contato. Espero que esteja bem e que nos vejamos em breve.
    Abraços.

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  5. Ter o dom para se expressar é algo raro hoje em dia..todo mundo tem medo de tudo..de falar..de opinar..de se expor...de assumir as próprias dificuldades..de sonhar..sei lá...Lendo este texto lindo, eu mesma me lembrei de tanta coisa!!!Sem dúvida você tem esse dom Eliseu.Sorte nossa!!!!!

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  6. Quando vcs vão remontar " Um certo Faroeste Caboclo" ?

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