Quando eu tinha 13 anos, ou seja, exatamente há 26 anos, eu proferi um discurso num fórum de educação na cidade de Campinas - onde morava - no qual afirmava, entre outras coisas, que "se a educação no Brasil continuar dessa forma nós vamos acabar nos tornando um 'xerox' da idade média". Ao reboliço - que se seguiu à essa afirmação tão contundente vinda de um menino morador de um dos bairros mais pobres da periferia da segunda maior cidade do mais rico estado do país - juntou-se outro, mais grave, já que afirmei, nas diversas entrevistas que dei, que faltava democracia nas escolas. Que confusão.
Preocupada com a possibilidade de alguma represália, Maria Alice Conde Alves Rodrigues, então ex-professora de Língua Portuguesa da escola pública que eu frequentava, me levou à Secretária de Educação com o intuito de criar alguma "blindagem" que me permitisse continuar a estudar em paz, mesmo após essa bombástica declaração, feita num período de ditadura militar. Não sei se houve alguma blindagem e tampouco sei se isso era mesmo necessário. Eu era apenas um menino aprendendo a opinar.
Aparentemente não houve represália. Não que eu saiba. A ditatuda terminou dois anos depois, tivemos de esperar por mais um longo período antes de votar para preseidente da república e o resto é história.
A verdade é que a educação de fato tornou-se um "xerox da idade média". O vaticínio do garoto de 13 anos se concretizou. Claro, há exceções, pelo menos deve havê-las, ainda que eu não as conheça; me desliguei da escola pública há muito tempo. O que me dá esperança é que há ainda pessoas como Professora Doutora Clarete Paranhos - que, de frequentadora de escola pública, é hoje supervisora de ensino e professora Universitária - e Maria Alice Conde Alves Rodrigues - que se já não trabalha com educação (não tenho notícias recentes dela) fez sua parte no tempo que lhe coube - que insistem em se meter neste matadouro que é a educação no país. De resto, só quem pode pagar tem acesso de fato à educação.
Não podemos negar que houve evolução. Na UNIFESP de Guarulhos dou aula para jovens que vieram não apenas da elite. A universidade pública já chega mais a quem não tem recursos. Eu mesmo frequentei uma das melhores universidades da América Latina, a UNICAMP, numa época em que pobres quase não podiam fazê-lo.
Ainda assim, penso que há um abismo enorme entre a educação de qualidade e a educação mediana. O ensino público fundamental e médio estão pilhados. Famílias que não podem proporcionar ensino privado para seus filhos, acabam pagando por faculdades, em sua maior parte, dispostas mais à caçar níqueis do que a garantir boa formação e pesquisa minimamente aceitável.
O mais angustiante nisso tudo é que minha experiência na UNIFESP demonstra que ensino de qualidade não é um milagre. Basta vontade política. Quando um jovem tem acesso a educação de qualidade ele, em geral, não abre mão, torna-se um apaixonado pela coisa, aproveita de fato.
Me lembro que quando cheguei à UNICAMP, mesmo tendo sido um aluno acima da média para os padrões daquela época, tive que me virar para acompanhar o nível dos colegas de turma. Em meu primeiro seminário em História do Teatro Ocidental, por sorteio fiquei incumbido de fazer um seminário sobre "Édipo Rei", de Sófocles. Meu amigo que se tornara responsável pelo "Édipo em Colona" me perguntou se eu pretendia fazer uma abordagem "Freudiana" do mito e eu disse que sim. Mas ora! Eu não sabia do que ele estava falando! Nunca li tanto Freud quanto neste período! Nem filosofia! Nem tudo que me aparecia à frente!
Os garotos da UNIFESP também são assim: basta que você cite uma ou duas obras para que eles se atirem de cabeça na pesquisa e voltem como se sempre tivessem sabido a respeito. É mais ou menos como aprender a ler ou a ouvir música. Uma vez tomado o gosto, nunca mais deixamos de apreciar cultura.
Outra vez Maria Alice: foi ela quem me apresentou Mercedes Sosa, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, entre muitos outros. Em casa minha irmã - a mesma que hoje é supervisora de ensino - me mostrava tudo o que surgiu de bom no início da década de oitenta no que diz respeito à MPB, fora a sua biblioteca que eu devorei muitas vezes sem que ela soubesse.
Se levarmos em consideração que havia inúmeras possibilidades ao meu redor ali no Jardim São José - bairro muito carente da periferia de Campinas - não tão, digamos... Alvissareiras... Havia o tráfico, havia as drogas, havia o dinheiro fácil do crime... Mas havia também o encantamento de um menino pelos livros, pela música e pelo teatro. Havia uma meia dúzia de pessoas focando minhas vistas em coisas que o crime não podia proporcionar.
Penso muito sobre isso: o universo fantástico que as artes e a cultura podem proporcionar são tão imensamente mais alucinantes do que aquele de determinadas drogas que, se soubessem, muitos adolescentes trocariam de vício... Mas isso me foi apresentado quando eu ainda estava aprendendo a dar opiniões, quando eu era um menino.
E hoje? O que podemos esperar desses meninos e meninas? Tenho medo. Tenho muito medo.
Beijos e até a próxima.