terça-feira, 26 de maio de 2009

TODO DIA ELE FAZ TUDO SEMPRE IGUAL…


Nasci velho. Odeio novidades. Gosto da repetição. O mesmo lugar no sofá da sala, o mesmo lado para dormir na cama, os mesmos cadernos do jornal lidos na mesma seqüência todos os dias, o mesmo ritual ao tomar banho, ao lidar com as lentes de contato, o lugar onde deixo os óculos, o aparelho para controlar o “bruxismo” no mesmo lugar. Não à toa, quando a Zélia – nossa diarista – tira algum objeto do lugar, eu me transformo de míope em cego. Não encontro. Não treinei meu olhar para encontrar minhas coisas em lugares aos quais não estou acostumado.

Dormir fora de casa é uma grande tortura. Não gosto. Nem na casa de minha mãe. Vamos à Campinas e voltamos no mesmo dia para desencanto dela. Eu quero minha casa após algumas horas! Não abro mão. Quando Juliana e eu decidimos que moraríamos juntos, eu a destituí de seu lugar na cama. Não foi por maldade. É que quando quebrei o úmero direito – qualquer hora conto esta história – só podia dormir de lado sobre o ombro esquerdo o que me fez tomar o seu lado na cama. Eu dormia em minha casa às segundas, terças e quartas e, no resto da semana, eu dormia na casa dela. Quando o úmero estava intacto, eu já me acostumara. Nós nos acostumáramos. Ela também é velha.

Assim, o que poderia ser um prazer – trabalhar, neste caso – pode se transformar numa pequena tortura. Basta que o trabalho me faça dormir fora de casa, por exemplo. É o que vai acontecer esta semana. Vou para o Rio. E ainda vou ter de entrar num avião... Odeio aviões. Odeio Congonhas, com ou sem ranhuras. Mas com chuva é pânico certo. E é TAM, e é AIRBUS, e o Aeroporto Santos Dumont fica no meio das águas da Baía de Guanabara, e teve o acidente no fim de semana, e os jornais de hoje falam sobre uma turbulência num vôo vindo de Miami, ah!!!

Minha hipocondria vai ao nível treze na escala que criei que vai de 9 – estável e constante – a 15 – nem Prozac me faz feliz!!! – o que me permite alguns subterfúgios tais como partir para o “Gin-Fizz” antes do embarque, duplo de preferência, e até mesmo tentar solicitar ao passageiro da poltrona 10B que pegue na minha mão, pelo menos na hora da decolagem. E sim, estou na 10C por que nada é pior do que andar de avião na janela, só mesmo o Romário para brigar para ficar olhando para fora - o que aumenta a sensação de impotência durante um vôo...

Além disso, o hotel é na Barra... Eu nunca vou à Barra da Tijuca quando vou ao Rio, acho o bairro o anti-Rio - mesmo sem conhecer. Acho que por saber que é reduto de novos ricos e celebridades, o que é quase a mesma coisa, aliás. Deve ter gente legal na Barra, mas eu vou estar num hotel, então vai ser bem difícil achar estas pessoas. Ok, as pessoas do hotel podem ser legais, mas elas são legais por obrigação profissional. Se eu tiver uma baita insônia pensando que não tenho a minha mulher para me pedir para dormir de conchinha - coisa que, todos sabemos, é por vezes desconfortável, só as mulheres não percebem - o cara do bar do Hotel não vai bater um papo comigo a respeito.

Não bastasse isso tudo, o personagem que eu vou fazer é um coveiro... A cena é de enterro... A coluna do Rubem Alves na Folha de hoje é sobre a possibilidade de se deixar morrer e a do João Pereira Coutinho chama-se “A Vida não nos pertence”!!! AH!!!! Não dá para manter o controle assim!

E tome dor nas costas, o pé direito dói também, há dois dias não tenho fome na hora do jantar, tinha uma pontada no lado direito do peito que migrou para o lado esquerdo, o joelho esquerdo começou a doer agora...
Ainda bem que sei que, quando o avião pousar em Congonhas, minha vidinha besta volta ao normal. É o que espero...

P.S.: Sobre Maísa: a justiça entrou no caso. Ameaçou o SBT com multa, tirou a menina do ar no domingo, etc... Ainda assim eu gostaria de ouvir os pais dela, até para saber se eles têm recursos para lidar com a questão. Seria inclusive uma forma de poderem se defender das acusações que lhe foram imputadas, inclusive por este blog.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

MAÍSA, MAYSA, CAZUZA, ETC...

Sou eu o homem, eu sofri, estive lá.
(Walt Whitman)
Tanto a minissérie "Maysa" quanto o filme "Cazuza-O Tempo Não Para" cometeram o mesmo pecado, em minha opinião: apresentam como mimados, egoístas e superficiais personagens que tinham nestas características uma parte - e tão somente uma parte - menos importante e impactante de suas personalidades. Além de serem realmente aquilo tudo, eram tristes, excessivamente intensos e valorizavam um viés da existência bastante distinta da cultivada - ou mesmo enxergada - pela maioria das pessoas que os rodeavam. Isso aumentava neles, em muito, a sensação de solidão que todos sentimos.
A primeira escreveu estes versos: "Todos acham que eu falo demais/E que ando bebendo demais/Que essa vida agitada não serve pra nada/Andar por aí, bar em bar, bar em bar/Dizem até que ando rindo demais/E que conto anedotas demais/Que não largo o cigarro e dirijo meu carro/Correndo, chegando no mesmo lugar/Ninguém sabe é que isso acontece porque/Vou passar minha vida esquecendo você/E a razão porque vivo esses dias banais/É porque ando triste, ando triste demais (...)". Não cortem os pulsos ainda leitores, lá vem Cazuza: "Eu não sei o que o meu corpo abriga/Nestas noites quentes de verão/E nem me importa que mil raios partam/Qualquer sentido vago de razão/Eu ando tão down/Eu ando tão down/Outra vez vou te cantar, vou te gritar/Te rebocar do bar(...)". Essas pessoas não podiam ser apenas adultos mimados. Havia um substrato alí que mergulhava na melancolia pelos motivos mais diversos.
E por que estou falando disso tudo? Por que andei vendo na Internet alguns vídeos com uma outra Maísa (uma menina de seis anos) sendo vilipendiada em rede nacional por um conhecido apresentador de televisão que fez fortuna com o infortúnio alheio. (É fácil de achar: entre no youtube e digite Maísa).
Adultos são produtos das crianças que pudemos ser. Será que ninguém vai fazer nada acerca do crime que estão cometendo com esta menina? O que fazem a mãe e o pai dela? Onde estão, como podem assistir a tudo incólumes? Daquele senhor que a maltrata não podemos mesmo esperar muito, mas os pais? Eles deveriam defendê-la! E ainda há uma tia da menina que anda dizendo que a repercussão do caso é desproporcional, que a menina é assim mesmo... Assim mesmo como, "cara-pálida"??? Sensível, demais? É isso? E por que ela é sensível demais??? A menina nem sabe o que estão fazendo a ela. Esses pais estão armando uma bomba-relógio e quem vai pagar a conta é a pobre Maísa.
Definitivamente nós não sabemos tratar essas pessoas. Nós as matamos. É claro que, muitas vezes, não podemos fazer nada por alguém, mas sempre podemos ver os sinais. O deus "mercado" pode tudo, inclusive moer a carne de quem ele quiser para lucrar. Me lembro de tantos... Cássia Éller, Renato Russo, Kurt Kobain, só para citar alguns, gente que estava triste, que precisava de ajuda... Nós adoramos ver as pessoas serem imoladas em praça pública. E o maldito "mercado" também...
Não acredito que estou exagerando, honestamente. Nem sei como EU pude me safar e sei o preço que paguei por isso! O ministério público notificou a emissora e a ameaça com a possibilidade de reclassificação do programa para após as 20 horas... Eu estou pouco me importando com a reclassificação do programa! Estou preocupado é com a saúde da menina!
Vou esperar os próximos passos, mas fica aqui minha indignação.
Abraços.
P.s.: Alguns estão tendo dificuldades de deixar comentários. Sei que às vezes é difícil, mas se insistir funciona, eu já tentei. Entretanto, se preferir, pode mandar seu comentário para elispar@ig.com.br com a observação "autorizo a publicação deste comentário em seu blog".

quarta-feira, 13 de maio de 2009

EXCESSOS

O homem que sou buscou seus alicerces na dor. Não me orgulho disso. Pelo contrário. Quando experimentei a felicidade pude perceber quão digno de lástima eu era. De resto, nós, seres humanos, somos em boa parte do tempo dignos de lástima.

No tempo em que minhas dores eram maiores eu era um homem excessivamente bom, excessivamente gentil, excessivamente solícito, excessivamente servil, excessivamente honesto, excessivamente crítico, exigente, amoroso, generoso, disponível, afável, cristão, paciente, compreensivo, doce, delicado, educado...

O homem repleto de dores que fui quase sempre se sentia mais só a cada excesso. Menos amado a cada excesso. Mais explorado a cada excesso. Mais triste a cada excesso. Meus excessos, uma tentativa desesperada para ser aceito pelo mundo, faziam de minhas dores uma espécie de “bumerangue”.

Minhas dores ainda não estão num passado longínquo. Na verdade às antigas juntam-se outras. Mantidas todas sob controle, entretanto. Todos as temos, não é mesmo? Meus excessos, entretanto, começam a minguar. Isso é maturidade ou desistência?

Entretanto ainda me exaspero quando encontro alguém que, como eu, insiste em ser excessivamente bom, ou exigente, ou excessivamente o que for. Lembro-me bem do quanto isso me fez mal. Em se tratando de alguém que amo, então... Fere-me, aperta-me o peito, dói-me, como antes.

Por isso, às vezes, sinto-me excessivamente frustrado por não poder apagar da história destas pessoas as dores das quais não pude me poupar quando me era possível. Por isso, às vezes, sinto-me excessivamente intolerante com aqueles que insistem em cometer os mesmos erros que eu, tantas vezes nos anos de minha juventude, cometi. Por isso, às vezes, torno-me excessivamente impaciente com as pessoas que mais amo, quando as vejo cometendo os mesmo erros que cometi no passado.

E, de excesso em excesso, não perdôo nas pessoas que amo os excessos que sempre se voltaram contra mim quando me parecia que deveriam apenas mostrar ao mundo todo o quanto eu poderia ser generoso, bondoso, servil, amoroso, afável, doce, compreensivo.

De excesso em excesso, torno-me excessivamente exigente, crítico, impaciente, intolerante, arrogante, soberbo, por não perdoar nos que amo o pecado de cometer meus erros, de repeti-los, de me fazer lembrar de minhas imperfeições e de minhas dores.

Todas essas explanações não justificam meus excessos, mas ajudam a me compreender um pouco melhor. E me ajudam, pouco a pouco, a aceitar nos outros aquilo que me lembra tantas dores e aquilo que me causou essas dores . No fim das contas somos todos – nós, seres humanos - falíveis.

Por isso, às vezes esqueço as dores e lanço um olhar excessivamente generoso sobre toda a humanidade. O que me inclui. E aos que amo.

P.s.: Esse não é um pedido de desculpas: é uma declaração de amor pública.

terça-feira, 12 de maio de 2009

MARIA ALICE

Era março de 1981. Eu tinha dez anos e iniciava a quinta série. Era a primeira aula numa fase em que passávamos a ter muitos professores. Escola Estadual Professor Carlos Francisco de Paula no Bairro Cidade Jardim, em Campinas. Todos estávamos apavorados. Eu estava, ao menos. Em minha lembrança, entretanto, o mês era abril. Ela nos esperava junto à porta da sala de aula para nos receber, sorrindo. O menino que eu fui cita a música: "Nossa velha amizade nasceu/de uma luz que acendeu/aos olhos de abril/com cuidado e espanto eu te olhei/no entanto você sorriu/concedendo-me a graça de ver/talhada em você/a nobreza de frente/o amor se desnudando no meio de tanta gente/um doce descascado prá mim/eu guardo pro fim/prá comer demorado/uma grande amizade é assim/dois homens apaixonados/e sentir a alegria de ver/ a mão do prazer/acenando prá gente/o amor crescendo enfim/como capim pros meus dentes".

De fato ela sorria e naquele dia eu comecei a amá-la. Não imagino quantos anos tinha Dona Maria Alice, tampouco quantos anos tem hoje. O que sei é que desde então eu a tenho em minha memória. E não foram poucos os conflitos. Eu fui um menino terrível. Tinhoso. Arrogante por vezes, mesmo sem saber ao certo o quanto eu era inteligente. Imagino que também era apaixonante. Sem falsa modéstia. Ela me apresentou o teatro. Me estimulou a escrever e a ler. O músico que sou também deve muito à ela.

Acabo de ter notícias dela. Aposentou-se. Tem três netos e mais dois vindo. Tem acompanhado este blog. Vou vê-la um dia destes. Quantos têm o privilégio de reencontrar alguém tão importante?

Maria Alice já não era mais minha professora quando nos chamou - a mim e a alguns amigos de escola - à sua casa para conversar conosco acerca do que sentíamos quando Wagner morreu. Era meu melhor amigo. Por muitos anos não houve ninguém tão importante para mim quanto ele. Foram precisos muitos anos de análise para compreender esta dor, esta perda. Ela soube, desde o início, dar importância aos meus sentimentos com relação àquela perda. Mesmo que não saiba ainda.

Na verdade apenas quando comecei a amar Juliana, minha mulher, 21 anos depois, é que pude, finalmente, superar a dor daquela perda. Ninguém, afora minha analista - obrigado Adriana! - e minha mulher sabem o que senti em 14 de julho de 1984. Agora Maria Alice também sabe. De qualquer forma ela me cuidou um pouco em agosto daquele fatídico ano.

Poucas são as pessoas que significam tanto para mim. Claro: há minha mãe, minhas irmãs, Juliana - meu amor maduro - e alguns poucos e bons amigos. Mas alguém que tão pouca responsabilidade poderia ter... Na verdade acho que quem nos educa DEVERIA ter este tipo de responsabilidade. Mas há uma grande diferença entre o DEVER e o PODER. Ou o QUERER.

Juliana conta algumas histórias sobre uma professora que foi importante para ela. Será que todos temos alguém especial assim? Será que prestamos as homenagens necessárias a estas pessoas? Reclamamos tanto - eu mesmo já fiz isso neste espaço - mas, será que nos lembramos daqueles que foram importantes para nossa formação?


Dividam comigo - conosco - suas experiências a esse respeito.


Abraços.

domingo, 3 de maio de 2009

O CAMPEONATO DE 1977

Morávamos num barraco verde, acho. Sim, era verde. Meus pais mudaram do bairro Capuava, atrás da Petroquímica, para o Jardim do Estádio. Ao nosso lado vivia a Dona Maria, uma negra retinta com seus inúmeros filhos fortes e bonitos. Sei que eram bonitos. Tenho certeza disso ainda que não me lembre deles.
Era no terraço da casa dela, de Dona Maria, que estávamos naquele dia em que me tornei Corinthiano. Meu pai era São-Paulino. Estranho que agora, tanto tempo depois, o pai e o irmão de minha mulher sejam São-Paulinos e ela seja Corinthiana... Eu de família proletária, ela de família tradicional. Mas estou fugindo da questão central.
Falávamos - eu e meus amigos, por volta de 75 - sobre futebol e eu ouvi pela primeira vez aquele nome: Corinthians. Como achei bonito... Mal sabia que se tratava de um nome inglês, só achei bonito. Minha opção pela beleza, pela estética, pelas artes, já se apresentava ali. Eu torcia pelo São Paulo já que meu pai me influenciara.
Naquele dia eu disse: "Pai, posso ser Corinthiano?" Ele disse: "Sim, você pode". Passei a ser. Ou teria inventado esta teoria? Sim, por que minha irmã, que nesta altura já tinha condições de compreender o que se passava no país, poderia perfeitamente ter me influenciado, de alguma forma, a torcer pelo time das massas, o time dos sofredores, o time dos oprimidos, o time daqueles que tinham na ditadura militar seu maior inimigo. Mas, em minha memória, eu me tornei Corinthiano após a anuência de meu pai.
Para meu infortúnio e o de milhões de outros torcedores, o time não ganhava nada há anos. Eu não sabia disso. Isso não importava para um menino de cinco, seis anos. O nome do time era o mais importante. E o nome era lindo. O mais lindo de todos.
O barraco de paredes verdes tinha três cômodos e um banheiro. Ficava acima da altura do terreno. Era preciso subir um lance de escadas. Chegava-se então à cozinha. Ao fundo deste cômodo ficava o banheiro que era usado pelos seis membros da família. À direita da cozinha havia uma sala-quarto. Era aí que dormíamos os filhos. Como cabíamos todos ali? Não me lembro bem. Quantas camas havia? Sei que dormia ali já que no surto de meningite de 75 eu cai de uma das camas de solteiro deste cômodo e fiquei longo tempo no chão antes que minha mãe me ouvisse e me acudisse. Mas não sei como cabíamos todos... Depois deste quarto-sala havia um outro quarto à esquerda onde dormiam meu pai e minha mãe.
No quarto-sala estavam a TV e uma biblioteca. "O FBI não Perdoa" era um dos livros. Minha irmã insistia em ter livros, mesmo naquele lugar. Como ela encontrava espaço? Ela sempre foi uma completa alienígena. Ainda hoje é. Eu, definitivamente não a entendo! Antes, porque conseguia, em meio a tanta pobreza, ter livros, cultura e opiniões. Hoje, por que, em meio a tanta violência e mediocridade, ainda consegue querer pensar em educação. Definitivamente eu não a entendo...
Onde estavam todos naquela noite de 1977? Em minha memória estávamos apenas ela e eu. Era um grande sofrimento e um gol apenas. Não vou olhar no "google" agora para saber de quem foi o gol. Só sei que o Corinthians ganhou da Ponte. Um a zero. Nós nos abraçávamos. Nos beijávamos. Eu tinha sete. Ela dezessete. Eu nem sabia o que acontecia. Ela deveria estar pensando que aquela era uma vitória não do Corinthians, mas dos milhões de pobres oprimidos espalhados pelo país.
Ainda se passariam muitos anos para que os oprimidos se manifestassem. Ela ajudou a fundar o PT, muitos anos depois. Nós choramos quando Jacó Bittar foi eleito prefeito de Campinas. O PT virou o que sabemos. O Toninho do PT morreu. Muita coisa morreu no PT. Mas continuamos Corinthianos.
Hoje à tarde, quando terminar o campeonato paulista, estaremos, outra vez, assistindo a uma parte da história. Escrevo antes do jogo, então não sei se somos campeões invictos, campeões com uma derrota ou vice-campeões após uma derrota histórica. De qualquer forma, nossas histórias de plebeus se aproximam da história de outro plebeu, favelado, morador de barraco, sei lá que outras coisas loucas aconteceram à ele além daquelas que sabemos pela mídia.
Espero que o Ronaldo - o outro plebeu - apenas esteja feliz. E que ele tenha memórias tão emocionantes quanto as que tenho. Como eu e minha irmã nos deitando, em 1977, repetindo como crianças felizes: "Boa noite Corinthiano". "Boa noite Corinthiana".


Até amanhã.


sexta-feira, 1 de maio de 2009

PRIMEIRO DE MAIO DE 1994

Onde você estava na manhã de primeiro de maio de 1994? Eu jamais vou me esquecer...
No ano anterior, eu ainda vivia na Moradia Estudantil da UNICAMP. Era lá, numa máquina de escrever elétrica "Brother" - comprada após eu me cansar de escrever em máquinas comuns, numa loja "Sears" que não existe mais - que eu escrevia os textos teatrais com os quais eu e minha companhia de teatro ganhávamos a vida. Eram peças sobre qualidade total, segurança no trabalho, temas, enfim, relacionados ao mundo corporativo.
Apesar de termos dinheiro não tínhamos sede, o que me irritava bastante. Finalmente, após eu praticamente dizer que eu iria embora do grupo caso eles não concordassem em alugar um lugar que nos servisse de sede - e de resto levar comigo a "galinha dos ovos de ouro" de todo mundo, ou seja, meus textos - finalmente alugamos uma grande casa ao lado da antiga rodoviária de Campinas onde, anos antes, um grupo de alunos de artes cênicas tinha feito uma república com umas 20 pessoas. Era tanta gente que havia colchões espalhados por todos os cômodos da casa, menos na cozinha, é claro.
Havia na casa um amplo espaço para ensaios no andar superior e embaixo vários cômodos, o suficiente para fazermos um escritório e termos ainda dois quartos para abrigar quem, eventualmente, precissasse dormir por lá. Um destes quartos eu passei a dividir com um colega da companhia. Assim, morávamos no local de trabalho. Esse colega - Rogério - levou para nossa sede uma TV que ficava em frente à mesa do escritório, num suporte acima da porta, que levava para a cozinha. À esquerda da mesa, ficava uma grande porta de vidro que dava acesso à sacada e que nos dava a visão de uma praça não muito atraente. À direita, ficava um sofá grande o suficiente para abrigar três pessoas.
Não entendo o motivo pelo qual não posso me lembrar da presença de Rogério naquela manhã. O mais estranho é que me recordo dele à tarde, quando eu saí para um compromisso previamente assumido... Estranho também porque ele costumava ver comigo aos programas que eu gostava de assistir.
Me lembro como se fosse hoje que, antes da imagem, ouvi o narrador dizer: "Bateu forte Senna. Bateu forte Senna!" Isso ainda ressoa em meus ouvidos, mesmo quinze anos depois. Acho que só senti algo semelhante em 11 de setembro de 2001, quando vi pela TV o atentado às torres gêmeas. Lembro da cabeça pendendo para o lado e da esperança que todos tivemos - apresentador incluído - com esse movimento que, saberíamos depois, era involuntário. O que aconteceu a seguir todos sabemos. Ayrton Senna morreria em função do acidente poucas horas depois.
Naquela tarde eu fui visitar Dona Maria Alice, personagem que já apresentei neste blog. Eu não a via há anos. Mais uma vez havia uma morte entre nós. A primeira acontecera dez anos antes, em julho de 1984. Foi naquela mesma sala que eu disse diante de outros cerca de vinte adolescentes, aos prantos: "Eu amava o Wagner".
Em primeiro de maio de 1994, falamos muito tempo sobre a outra morte, a de Ayrton. Também sobre a de Wagner. Foi nesta tarde que vi pela última vez Henrique, filho de Maria Alice e meu antigo colega de classe. Eu ainda a veria em 1996, na estréia de "Mr. Moquimpó", meu primeiro espetáculo após a formatura da UNICAMP. Sei que ela se orgulhava de mim. Deve se orgulhar ainda se é que ainda acompanha minha carreira.
As cores daquele primeiro de maio, a temperatura, tudo sempre volta, a cada ano. É uma melancolia calma. Tão calma que assusta. Naquele dia morria em mim a certeza de que basta talento para se alcançar o sucesso. Pode parecer estranho, mas foi isso o que significou a morte de Ayrton Senna para mim. Eu tinha raiva de nosso fracasso. Sim: a morte dele era o MEU fracasso também!
Eu nunca consegui, na longa Era na qual Schumacher foi imbatível, admirar sua pilotagem. Muitos puderam ter algum prazer, achar que entre eles havia algo em comum. Eu nunca pude. Tive raiva de Schumacher até a sua aposentadoria. É como se ele fosse um pouco responsável pela morte de Senna. Era ele quem o perseguia implacavelmente antes que Senna entrasse pela última vez na curva Tamburello.
Talvez o marketing de bom moço tenha colaborado para isso. Não chegavam até nós o possível lado "ruim" de Senna. Ou talvez eu os tenha apagado, não sei. A verdade é que, no enredo que eu tecera, ele era o mocinho da história e mocinhos da história não podem, não devem morrer! E Alain Prost - sempre defendido por Jean-Marie Balestre, recentemente falecido - alcançara o quarto título mundial no ano anterior, era muito injusto! Então não valia mesmo a pena ser honesto, gentil, bom caráter, justo, nada disso! NÃO VALIA A PENA ser bom. Isso era terrível!
Não fui ao enterro de Senna. Como não fui no de Wagner. Não me arrependo de não ter ido ao do primeiro, mas o fato de não ter ido ao do segundo ainda me aterroriza.
Na TV do Rogério, sozinho, deitado no chão do escritório, assisti à final da copa na qual o Brasil se sagrou campeão, dois meses depois da morte de Senna. Desta vez me lembro o motivo pelo qual Rogério não estava: era julho e ele visitava a família no Rio. Naquele dia, durante a cobrança de pênaltis, achei que iria morrer e tive medo. Em primeiro de maio de 1994 não tive medo. A melancolia é corajosa e é isso que me assusta nela...