Denise Weinberg em cena de Balangangueri
Foto de João Caldas Filho
Desde que
o li pela primeira vez, logo após Domingos Nunez convidar-me para compor as
canções e fazer a direção musical do espetáculo, o texto de Balangangueri
pareceu-me muito familiar. Homens e mulheres miseráveis, sós, desesperados,
tristes, tentando a todo custo uma fuga possível para seus pesadelos, pequenos
ou não, comezinhos ou não, definitivos ou não.
Ainda
assim havia - nas falas finais da protagonista Mommo - um mínimo
de resignação e calma diante do absurdo da condição humana:
- Uma
lágrima não é uma coisa tão ruim assim, não é mesmo Mary? Afinal, não temos
aqui tudo o que precisamos?
Após
nominarem seus traumas – como pensa Lacan - as personagens abrem espaço para
alguma possibilidade de satisfação. Se estamos todos mais ou menos aprisionados
em nossas misérias e frustrações, podemos também encontrar tudo que
precisamos para sermos minimamente felizes.
Quando comecei
a escrever as canções, primeiro mergulhei na tragédia e na dor. Em Deus
das Desgraças, parto do texto de Murphy e de Nunez para compor a
seguinte letra:
Máquinas debulhadoras, braços arrancados/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Colheitas empestadas, feiras fracassadas/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Passo por passo, um pé na frente do outro/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Febre amarela, coceira, peste negra/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Crianças espancadas que não comem há semanas/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Roseiras bravas, "rotas alteradas” /
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Olhos furados, vazados, ossos de galinha/
Suicídio e tempo ruim
Suicídio e tempo ruim
Restam as carcaças/ Oh Deus das desgraças!
E ainda há muito por vir
Mas
lembro-me bem que a última canção que escrevi - Colheita Maldita - significou
para mim a catarse que espero que tome o espectador ao fim do espetáculo:
Pé de dor/ pé de frio na alma/ pé de fés perdidas/
vida e bocas ardidas
vida e bocas ardidas
Pé de corte na veia/ pé de sol, sal, poeira/
pé de pote de veneno/ pé de inverno pouco ameno
pé de pote de veneno/ pé de inverno pouco ameno
Árvore de açoite/ árvore de noite/ ai, queria a sorte/
ai, queria um pouco de paz e pede
ai, queria um pouco de paz e pede
Dor/ pé de frio na alma/ pé de fés perdidas/
vida e bocas ardidas
vida e bocas ardidas
Pé de corte na veia/ pé de sol, sal, poeira/
pé de pote de veneno/ pé de inverno pouco ameno
pé de pote de veneno/ pé de inverno pouco ameno
Quer o sol e neva/ busca a luz e a treva invade/
o cansaço é um aço que penetra a pele e pede
o cansaço é um aço que penetra a pele e pede
Paz
Depois de
escrever esta canção pude finalmente me distanciar paulatinamente da tristeza
para trilhar a direção dos arranjos mais arejados e algumas vezes até leves aos
quais Vinícius Leite deu acabamento.
Continuo
achando a vida uma experiência difícil e por vezes bastante dolorida. Mas creio
ter conseguido um pouco de paz quando passei a aceitá-la como ela é. Turva,
doce, inexplicável, apaixonante, triste e única.
P.s.: Estamos em cartaz no SESC Belenzinho até
20 de novembro. Sextas e sábados às 21:30 e domingos às 18:30 horas.
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