Quando o Corinthians ganhou o campeonato paulista
de 77 minha irmã mais velha e eu assistimos àquela final numa pequena sala que
servia também de quarto dos filhos do casal. Era uma casa de madeira em Santo
André.
Junto da TV que exibia imagens em preto e branco,
inúmeros livros, muitos dos quais ainda hoje compõem a imensa biblioteca de
minha irmã que ocupa boa parte do apartamento de um dormitório que ela comprou
no centro da cidade de Campinas com o dinheiro de uma vida dedicada à educação.
Ao fim do jogo, naquele longínquo campeonato, nos
deitamos repetindo: "Boa noite corintiana", "Boa noite
corintiano"...
Só me lembro de Sócrates jogando pelo meu time
dois anos depois, mas a mística de minha paixão pelo time começou naquela final
de 77, que na verdade foi disputada em 78.
Fomos para Campinas, tomei gosto por futebol e,
magrelo que sempre fui, fui jogar na meia direita, chamado de Magrão. Orgulho. Minha
irmã embarcou no sonho da esquerda e, talvez em função da imensa admiração que
sempre tive e sempre terei por ela, também embarquei.
Neste contexto, Sócrates era O
exemplo. Rebelde, libertário, fiel às suas próprias contradições, herói íntegro
- que também seria trágico. A Democracia Corintiana, embora alguns insistam em
chamá-la de anarquia, era uma novidade na medida em que tencionava tirar o
jogador de futebol - o grande artista da maior paixão brasileira - da mesmice
despolitizada. Conectava-se ao movimento das Diretas-Já e parecia impulsionar o
país para um futuro promissor.
O futuro não foi tão promissor assim e é preciso
uma dose enorme de boa vontade para acreditar que esse horizonte se modificará
nas próximas décadas.
Ao contrário do que queríamos eu, Sócrates e
minha irmã, o sonho de democratização do acesso universal à educação, da valorização
do professor como formador da alma de uma nação, está longe de se realizar, 30
anos depois da Democracia Corintiana.
Para além da profissão de jogador de futebol –
que sempre foi a única saída para a maior parte dos párias sociais que não encontrarão
outra forma de ascensão - em cada esquina encontram-se meninos e meninas que
juram que conseguirão ascender socialmente tornando-se celebridades.
Muito diferente do Magrão que, ultimamente, mesmo
antes da cirrose, passou a usar uma bandana na cabeça como forma de tomar
posição contra os ataques homofóbicos que tomam conta de nossas cidades.
Enquanto isso a cultura e as artes estão às
moscas. As coisas andam sem graça... Bem sem graça.